abutressalvaterraProjeto Especial Verão - 2º Dia

  • O dia surge apático, mas, promete ser quente. As alterações efetuadas no programa permite-nos ganhar meia hora e assim minimizarmos os danos causados pelo calor.
  • O pequeno-almoço deu-nos as energias suficientes para a jornada que iríamos enfrentar. Nos planos para o início desse dia contava com a Rota dos abutres, na aldeia de Salvaterra do Extremo.
  • A viagem até a aldeia demora um pouco mais que uma volta do relógio. A paisagem mantém-se igual: ocre e dourada, metro após metro. Com uma atenção redobrado os meus olhos querem gravar cada pedacinho que é novo. Suavemente a paisagem ganha cor e forma. E ao virar da esquina somos engolidos pela simplicidade do seu casario.
  •  O campanário, bem lá no alto onde dois sinos bronzeados pelo sol se escondem, há dois casais de cegonhas que construíram ai o seu ninho de férias. Cá debaixo onde a rua ainda não começou a afunilar fica o autocarro, e aqui apeamo-nos.
  • A vida por vezes é madrasta, e a pacata aldeia até já foi importante para a região e para o reino. O homem sempre foi ambicioso, e já nos tempos idos quando ainda não havia historia, escolhia os melhores locais para viver e aqui não foi exceção. Lentamente foram construindo uns abrigos toscos, mais tarde melhoram esses mesmos abrigos e ambição aumenta. Há uma raça ainda mais ambiciosa, que houve falar que aqui é que se vive bem. Carrega a casa as costas e percorre a Europa toda até aqui, onde a terra acaba e o mar começa. Acredita nas potencialidades da terra e cria novas habitações e protege-as criando fortificações em seu redor. Era chegada a hora dos romanos.
  • Por fim o território conquistado passa para novos senhores. Chegam os Suevos e depois os visigodos. Também estes ambiciosos e aproveitam a explorar ainda mais os recursos minerais que o seu antecessor tinha deixado. As minas de chumbo, estanho e ouro. Uma vez mais a região é invadida por um novo invasor. Os anos vão passando e os reis visigodos sucedem-se uns atrás dos outros.
  • Há necessidade de chegar a um consenso sobre a fronteira. Portugal e Castela sentam-se a mesma mesa e depois de comerem e beberem, com a barriga cheia, chegam finalmente a um acordo sobre a definição da fronteira Luso-castelhana.
  • Com o passar dos anos a ordem do templo, através das doações, adquirirem um poder económico muito grande na Europa. Jacques de Molay, o ultimo grão-mestre, é acusado e condenado a fogueira, no dia 18 março de 1314, em frente à catedral de Notre Dame de Paris. Clemente V, manda uma bula papal a todos os monarcas da Europa confiscando todos os bens da Ordem do Templo. Os templários vivem dias difíceis na Europa. O rei D. Dinis não acata na totalidade a bula papal. Extingue a Ordem do Templo em Portugal, mas transfere todos os pertences para a Ordem de Cristo.
  • É que claro que qualquer visita merecia mais tempo e isso era coisa que não disponhamos nesse momento. A existência do castelo raiano, foi absorvido pela malha urbana da povoação, subsistindo apenas vestígios na atualidade. Era necessário um guia para nos levar a ver aquilo que desconhecemos e o pouco que resta do castelo medieval, totalmente descaracterizado, a não ser alguns troços de muralha, atualmente inscritos em habitações de particulares.
  • Lentamente vamo-nos afastando do casario compacto que se estende ao longo das ruelas estreitas. Penetramos nos limites da aldeia e os montados de azinho e os olivais tradicionais são outro elemento chave e constante nestas paisagens. O calor acompanha-nos, também ele parece querer conhecer como nós estas novas paisagens. O terreno é acidentado e todo o cuidado é pouco. No início o nosso trilho estava ladeado por muros de pedra solta que mãos astutas nos deixaram como herança. O trilho que nos propusemos fazer tinha como nome Rota dos abutres. Como tudo na vida, há momentos em que temos que nos desviarmos dos objetivos que traçamos. Este não foi o caso porque o nosso percurso não era coincidente em todo com o percurso pedestre Rota dos Abutres. Havia partes que por nossa iniciativa achamos interessante incluir no trilho. É o caso de uma visita a umas ruínas que se situam na encosta portuguesa do rio Erges. Supõe-se que no século IX tenha sido construída a torre da Atalaia, ainda existente para os lados do Moinho do Seco, que permitiu a fortificação de Salvaterra do Extremo um novo ângulo de visão sobre eixos de aproximação vindos da fortificação Racha-Rachel em direção ao Moinho do Seco. Bom, o local é interessante e a pequena atalaia assim a vou chamar, deixa-me curioso e com muitas dúvidas quanto a sua missão. A sua posição é muito baixa. Os acessos não são visíveis na paisagem ou quase inexistentes. Porquê? Na paisagem há dois elementos que chamam atenção: o Castilho de Peñafiel e o rio Erges. O rio Erges traça a linha de fronteira. Na margem oposta ao local de onde nos encontramos, podem ser observadas as ruínas do Castelo de Peñafiel, em Zarza la Mayor, em território espanhol. Deste lado, Salvaterra do Extremo, atestam simbolicamente com o seu castelo desaparecido.
  • Depois de termos deixado par trás a pequena atalaia, subimos a um local que tinha um nome muito sugestivo: Mirante do Salto da Cabra. Daqui observa-se uma impressionante paisagem sobre a garganta do Erges (Local de Interesse Geomorfológico). Quando o leito atingiu o granito de Salvaterra, já o rio Erges apresentava um vale bastante encaixado pelo que teve que se adaptar a um substrato mais duro, mas fortemente fraturado, provocando a apertada incisão nas rochas graníticas que hoje podemos apreciar. Olhando do local de onde nos situamos o rio corre a 100 m de profundidade num vale estreito e bem vincado na paisagem. O rio lentamente e ao longo dos anos vai desfazendo estas rochas duras e criando estes penhascos. Quando as fortes chuvadas caiem na região o rio enfurece-se e fica selvagem, levando a sua frente tudo o que possa arrancar. Quando não consegue transportar os grandes calhaus, amansa-os. Durante anos todo este cenário se repete e com grande capacidade erosiva, vai esculpindo estas gargantas que nos impressionam. Ao longo do seu trajeto formou três impressionantes gargantas numa curta distância.
  • Estas paredes de rocha granítica são muito abruptas e não possuem cobertura vegetal, porque o baixo índice de chuva, próprio do clima árido não permite a formação de substrato. É neste local de difícil acesso que nidifica e tem o seu habitat uma importante colonia de grifos (abutres). No fundo do canhão, é comum correr o rio que o formou, mas há também casos de leito seco. No dia em que visitamos este canhão o rio pouca água levava, mas, era visível em alguns pontos, as enormes pedras de granito roladas pelo tempo. Pareciam ilhotas no meio de pequenas poças de água.
  • Depois de admirar esta paisagem singular e de me deixar sem folgo, regressamos ao nosso trilho, desta vez em direção a Caseta. Durante o nosso trajeto até retornarmos o trilho marcado, passamos por diversas construções ligeiramente fora do habitual, as furdas: as habitações de porcos e galinhas. Passamos por várias, quando descemos em direção ao rio Erges, por um caminho empedrado, ladeado por muros de pedra solta, entre azinheiras, (aqui os caminhos chamam-se quelhas) vão-se encontrando pequenas construções, umas de piso térreo, outras, mais complexas, com “primeiro andar”, cisternas abobadadas, com uma entrada e um pequeno “quintal” à volta. São as furdas.
  • Deixamos para trás a visão do castilho e seguimos agora por uma quelha antiga que nos vai levar rumo ao antigo posto da guarda-fiscal (Caseta, como aqui é conhecido).
  • A caseta, local onde antigamente os Guardas-fiscais controlavam os contrabandistas, com uma espetacular vista sobre o Rio. Aqui vem a memória o contrabando. Muitas histórias sobre esta atividade são contadas, com perseguições da Guarda Fiscal ou dos Carabineiros, onde era confiscado tudo o que traziam. Onde há raia existiu contrabando. O contrabando faz parte da história de Salvaterra. Enquanto houve fronteira, sempre aqui existiu o chamado contrabando de subsistência, da pequena mercadoria, feito pelas populações dos dois lados.
  • Um pouco mais acima da Caseta existe o: Observatório da Caseta. E quem tiver paciência para esperar, pode aguardar o voo de quem vigia atentamente este território: os grifos, os abutres negros, os abutres do Egipto, a águia de Bonelli, a águia cobreira, a cegonha negra, o guarda-rios e um sem número de aves que por aqui se encontram.
  • Aqui junto a Caseta sentámos-mos a descansar, e contemplámos a deslumbrante paisagem. Hoje, nas suas paredes da Caseta tem gravado, imensos nomes de quem por aqui passa e mensagens amorosas. Por certo outros nomes ficaram gravados nas histórias de contrabando. Tempos difíceis de quem tudo fazia para sobreviver e alimentar bocas, de uma prole numerosa.
  • Da Caseta continuámos a descer, rumo à Fonte da Ribeira. O percurso faz-se agora por caminhos ladeados de giestas que na primavera, pinta a paisagem de amarelo e o branco que contracenam com as cores vivas do rosmaninho. Chegamos a Fonte da Ribeira junto ao rio Erges. O fio de água que corre na fonte dá para matar a sede, e acalmar o calor que se fazia nesse dia.
  • Agora o percurso prossegue para Norte, por um pequeno trilho, ao longo do rio, podemos ver antigas azenhas, que parecem ter tido melhores dias. O piso é um tapete dourado que amortece os nossos pés. É fofo, mas é um autêntico barril de pólvora. Percorremos agora os últimas centenas de metros deste nosso trilho. Chegamos a um local onde termina uma estrada de asfalto e onde existe um açude. Aqui a açude é a passagem da fronteira. Uma pequena praia do lado Espanhol e um parque de merendas do lado de Portugal.
  • Ficamo-nos pelo parque e ai almoça-mos o nosso lanche. O rio não leva muita água, mas a pouca atrai alguns veraneantes e ajuda o comércio do lado de nostros hermanos. Passarmos a fronteira para um café. Abandonamos aquele local e partimos em direção a Idanha-a-Velha (egitania), onde tínhamos uma visita já programada.
  • Idanha-a-Velha é hoje uma pequena povoação de ambiente pitoresco, contraída dentro de antiquíssimas muralhas. Aparentemente, nada faz desconfiar dos seus insignes pergaminhos, surgindo como uma aldeia isolada, do interior do país, remetida a um esquecimento inevitável. O notável conjunto de ruínas que conserva. Ocupa um lugar de realce no contexto das estações arqueológicas do País.
  • Os elementos que saltam a vista são facilmente assimilados, outros há que só com elaborados estudos se chega lá. Os elementos romanos mais importantes foram destruídos no século V pelos Suevos, restando vestígios em condições muito diversas.
  • A Sé Catedral na primeira impressão deixa-me espantado pelo seu tamanho, não é habitual numa Sé. Como já tinha referido atrás esta visita tinha hora marcada e guia. Surpreendentemente fomos para um Lagar de Varas estrutura de notável qualidade construtiva muito bem conservada.
  • Durante a dominação sueva o rei Teodomiro estabeleceu na Egitânia a sede de uma diocese.
  • A Egitânia atinge a prosperidade com a conquista visigótica. No reinado de D. Afonso Henriques a Egitânia continuava em ruínas ao ser integrada no Condado Portucalense, foi entregue aos Templários.
  • Entre os vestígios de antigas estruturas, ergue-se a Sé Catedral, o ex-líbris mais enigmático de Idanha-a-Velha.
  • Deixamos para trás o museu e a Sé catedral, dirigimo-nos ao forno, mais uma da herança deixada pela família Marrocos. Dali partimos o Largo do Pelourinho, antigo centro da povoação, pode ver-se a Igreja Matriz (antiga Misericórdia), a Casa da Câmara e, logo à frente, chega-se à Torre dos Templários.
  • Deixamos para trás a Porta Norte e o troço de muralha associado, que marcam a presença das estruturas defensivas e de acesso criadas no Baixo-império, quando a cidade necessitou de se proteger.
  • Finda a visita a Idanha-a-Velha, partimos em direção a Castelo Branco, mais precisamente ao Museu Cargaleiro, para uma visita guiada, uma das que estava no nosso programa. O Museu Cargaleiro é dedicado inteiramente ao artista Manuel Cargaleiro, encontra-se instalado no solar dos Cavaleiros em Castelo Branco.
  • Regressamos ao hotel. Depois do banho tomado e as forças refeitas com o suculento jantar, vamos uma vez mais a conquista desta terra albicastrense. Hoje o programa local, apresenta um espetáculo nos jardins da cidade. Há que aproveitar. Inserido no XXII festival sete Sóis Sete Luas, Castelo Branco recebeu nesse sábado Luasitania.Orkestra, com um espetáculo multicultural, de músicos de Portugal, Espanha e Brasil, para proporcionar ao público uma experiência sonora das culturas luso ibéricas.
  • Eu pessoalmente adorei. Vem ao encontro do género de música e sonoridades de que gosto. Muito próximo da música celta.
  • Como tudo na vida tem um fim, o nosso dia também chegou ao fim. O dia seguinte espera-nos novas aventuras.
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