bomsucessoCaminhos do Bom Sucesso

  • As luzes do universo já tinham cruzado a linha do horizonte e o silêncio abandonava a muralha negra formada pela noite, lentamente os tímidos raios madrugadores, anunciavam um novo dia e despertava os nossos sentidos adormecidos, e o sol aquecia o sangue destes humanos desesperados por uma caminhada.
  • Tinha passado já algum tempo desde a última caminhada. Os corpos sedentos de ação, aguardavam que a porta do autocarro se abrisse para se aconchegarem no calor que este proporcionava. Lá fora o vento gélido soprava deixando as carnes frias e doridas, desta forma era um bom convite a entrar. Ainda longe dos odores primaveris, fica para a história que no dia 23 de fevereiro de 2013, os termómetros registavam temperaturas muito próximas de zero graus. Cachecol, gorro e luvas são acessórios quase obrigatórios, sobretudo de manhã e à noite, já que o País está a viver os dias mais frios deste ano, tendo também o vento como inimigo. O vento é, aliás, o principal culpado pela sensação de frio. É preciso ter coragem para abandonar o calor e o aconchego de uma cama para partir rumo ao desconhecido, por terras de Mangualde. Mas, a força de vencer é mais forte que o desejo de ficar e deste modo demos inicio a mais uma aventura sob a alçada do ANDAR.
  • Partimos. Deixamos para trás o silêncio frio dessa manha e rumamos como já disse as terras de Mangualde, para fazermos “os caminhos do Bom Sucesso”.
  • Depois das habituais paragens para recolha dos caminheiros, iniciamos a nossa viagem naquele eixo rodoviário que é a A25, que deu nome a uma grande parte da IP5. E dessa forma o autocarro avançava e rasgava a muralha do nevoeiro matinal que se formava nos grandes desníveis que são devidos, aos profundos entalhes fluviais rasgados no verde, que ladeava a estrada da polémica. É verdade que chamo a estrada da polémica. Este eixo viário que devia ser uma linha de desenvolvimento ao interior, e trazer do exterior a inovação e abrir as portas ao resto da Europa é hoje quase proibitivo circular nele e só a força de não haver alternativas é que nos faz utilizadores “forçados”. O abandono que o interior tem em relação ao litoral é sufocado por interesses e parcerias públicas/privadas pouco claras. Mas isso é outra história. A nossa é apreciar a paisagem até ao nosso destino. É desta forma que por entre a neblina surge a nossa direta mesmo que distante, o indecifrável contorno da serra do caramulo que se escondia em volto em nebulosidade baixa. O Caramulinho, o seu ponto mais alto avistava a Serra da Estrela, a Ria de Aveiro e até o mar. Ficando este ponto de interesse turístico e enumeras aldeia típicas para uma próxima oportunidade.
  • O nosso objetivo não era explorar estas paisagens de autocarro, mas, sim caminhar a pé em caminhos pisados por gentes rurais, pastores e por sorte por vias deixadas pelos nossos passados há 2000 anos.
  • Como já é hábito em muitas das nossas caminhadas, paramos numa estação de serviço, para recuperar energias, aquecer o corpo e esticar as pernas. Desta vez Viseu foi a escolhida e isso significava que a nossa viagem estava quase a atingir o início do trilho, não que se tivéssemos demasiado perto mas a alguns minutos.
  • Depois de serpentearmos por apertadas ruas, chegamos a S. João da Fresta. Apeamo-nos e em poucos minutos estávamos prontos a dar inicio a nossa caminhada.
  • Não seguimos a direção do folheto, partimos em sentido contrário ao descrito, para quem o possuía depressa percebe-se.
  • Iniciamos o percurso junto ao monumento dedicado a Nossa Senhora de Fátima em frente a Igreja Matriz de São João Baptista e viramos a direita e tomamos a direção de Avinhó.
  • Entramos no pitoresco casario que se estendia ao longo de ruelas apertadas, onde as pedras de granito se amontoavam ordenadamente formando uma habitação. Depressa a pequenez da “aldeia” é vencida e começamos a rasgar por os estradões que dela saiam para a paisagem com um ambiente bucólico. Pairava no ar a alegria do reencontro ou talvez de júbilo a primeira caminhada do ano.
  • São João da Fresta é uma freguesia com 208 habitante segundo censo de 2011 e fica situada no extremo do Concelho (nascente), distando dezoito quilómetros da sede concelhia. É constituída pelas seguintes povoações: Avinhó, Casais, São João, Fresta e Pinheiro de Tavares.
  • O povoamento da área em que se encontra a freguesia remonta a um período anterior à fundação da Nacionalidade. São vários os vestígios arqueológicos aqui encontrados. O sítio arqueológico de Antas é constituído por um conjunto de inscrições rupestres. Trata-se de um penedo granítico com mais de um metro de altura e que apresenta na sua superfície superior várias covinhas.
  • No período imperial, passaria por aqui a via romana que de Viseu seguia por Linhares até Cáceres e Mérida. Cruciais no desenvolvimento da economia e decisivas na eficaz ocupação e colonização de novos territórios, garantindo a circulação e o trânsito de pessoas e bens, aproximando as villae, vicus e castella, enfim o mundo rural do urbano, em todas as suas dimensões, as vias de comunicação do império romano – ou o que resta delas – constituem hoje um património. A nossa caminhada passa por estas povoações e depressa nos vamos apercebendo o quão rica é em historia toda esta região. Numa outra época passada a uns vinte séculos existiriam aqui muitas “villae” casas romanas, são vários os vestígios e achados arqueológicos do período romano.
  • É o caso de uma Ara funerária, que se encontra na capela de Santo Amaro em S. João da Fresta. Fica aqui um apontamento sobre uma Ara. A inscrição data do período romano. Trata-se de uma ara funerária dedicada a Deiburana e Angeta.
  • Uma ara votiva é uma pedra erigida em memória de alguém. Com uma inscrição em que o dedicando agradece a uma certa divindade algum benefício ou graça concedida.
  • As aras votivas não eram exclusivas dos romanos visto que outros povos as erigiram na antiguidade como os gregos, os egípcios, etc.
  • A confeção de aras votivas é uma prática romana. No entanto, a enorme difusão destas pela península ibérica, em especial na zona atlântica, atesta claramente que fora uma prática incorporada a religião céltica (no culto de todas as camadas sociais) da região, como mostram as abundantes aras com nomenclatura dos deuses celtas. As aras são por um lado, monumentos votivos (entregues em cumprimento de um voto) e por outro lado, altares dedicados a um deus ou deusa, ou grupo de deuses; e como altares, são locais de oficialização de ritos.
  • Depressa os nossos passos vencem os cerca de 1100 metro, que nos separava Avinhó de S. João da Fresta e não tarda os nossos olhos espelharem-se no pitoresco casario de Avinhó. A simplicidade das suas casas e a pacatez das suas ruelas, geram muita paz. A agricultura e a pastorícia são o seu modo de vida, aliado a uma forte religiosidade conforme atestam os inúmeros cruzeiros, alminhas e capelas existentes na zona. Como é o caso da capela da senhora da cabeça.
  • O caminho é fácil, e não oferece grande dificuldade na sua progressão, e em alguns minutos, passamos floresta, campos, ribeiros e zonas de grande beleza. Confesso que este pedaço de trilho não me chamou muita atenção. Há uma imensidão de caminhos bem delineados, que levou ao engano de alguns caminheiros, nada que a calma não resolvesse. Enquanto se resolvia este insignificante acidente, já tínhamos percorrido os 2,3 km que nos separavam de Avinhó e entrado em Pinheiro de Tavares. A chegada, recordo de algumas conversas sobre a planta que existia em abundância por aquelas paragens, onde se questionava se era cardo ou alcachofra? Bom, como não sou só eu a ter curiosidade, alguém nos esclareceu que a planta era o cardo que servia para fazer o queijo. E já que se fala em queijo, nesta povoação existe uma queijaria - Queijaria Basílio.
  • Eu não visitei a queijaria por dentro, talvez ainda tenha na memória o queijo Cabrales que me deixou KO por alguns dias. Adoro queijo curado. Sei agora, por investigação que a queijaria do Basílio é uma das 2 queijarias licenciadas que produzem o afamado produto no concelho de Mangualde.
  • Todo o concelho de Mangualde faz parte da zona demarcada do Queijo Serra da Estrela. O Queijo Serra da Estrela caracteriza-se por ter a casca amarela, pasta semi-mole amanteigada, cor branco marfim e com poucos olhos ou nenhuns. É um produto obtido por esgotamento lento da coalhada, após coagulação do leite de ovelha cru obtido através da ordenha de fêmeas de raça Bordaleira Serra da Estrela ou de raça Churra Mondegueira. Houve oportunidade de visitar esta queijaria e adquirir os seus produtos.
  • Antes de chegarmos propriamente a queijaria existe uma indicação de uma estela funerária romana. O que é? Parece ter sido uma das questões mais ouvidas naquela hora. Seguindo as indicações, chegamos defronte a uma casa onde se via uma pedra com inscrições, e por isso certamente deslocadas dos sítios originais (sepulturas). Uma estela funerária romana com quase dois mil anos, foi aproveitada para peitoril da janela de uma casa rural sita na aldeia de Pinheiro de Tavares.
  • Luís Filipe Coutinho Gomes publicou o estudo na revista Ficheiro Epigráfico, do Instituto de Arqueologia de Coimbra, no nº 12, de 1985, inscrição nº 52.
  • “Estela de granito de grão muito fino, que se encontra a servir de peitoril de uma janela. Apenas apresenta decoração na parte inferior, sendo esta um cruzeiro e uma rosácea inscrita em dois octógonos concêntricos. A parte superiora e direita da epígrafe encontram-se com desgaste, mas apenas neste último caso afeta o campo epigráfico, em, contudo, dificultar a leitura”.
  • Assim temos gravado o seguinte:
  • D( iis ) M( anibus ) S( acrum ) • FLAVINA / FLAVI • F( ilia ) • / IDICAII / ALVQVI • F( iliae ) • / 5 M( atri ) • S( ua ) • A( nnorum ) • LX( sexaginta ) / F( aciendum ) C( uravit ).
  • Consagrado aos Deuses Manes. Flavina, filha de Flavo, mandou fazer para sua mãe Idica, filha de Alúquio, de 60 anos.
  • Na freguesia de São João da Fresta regista-se o maior número de epígrafes votivas e funerárias encontradas no concelho de Mangualde, num total de 4. Em Pinheiro de Tavares foram encontrados outros vestígios que permitem classificar esta estação como villa.
  • Flavus e Falvina, seu derivado, são nomes comuns na Península, principalmente a norte do rio Tejo. O nome da defunta, Idica, não se encontra registado em território peninsular. Já o patronímico da defunta, Aluquus, é predominante na Lusitânia. Ficámos assim a saber de representantes de três gerações de uma família com raízes locais (dada a onomástica que apresentam, tipicamente pré-romana): filha de Flavo, Flavina (o diminutivo) casou com Alúquio (um nome etimologicamente lusitano) e dessa união nasceu uma filha, cujo nome, porém, se desconhece. Tendo em conta o uso da fórmula inicial e a ausência de outros elementos identificativos, Inês Vaz data esta estela dos finais do séc. I ou inícios do II d.C.
  • Deste estudo ainda me restam dúvidas sobre o que é um epitáfio? Da mesma maneira e investigando cheguei a uma conclusão: Epitáfio significa (do grego antigo pιτάφιος [epitáfios], "sobre a tumba"). Este termo se refere às frases que são escritas, geralmente em placas de mármore ou de metal e colocadas sobre o túmulo, ou mausoléus nos cemitérios, com o fim de homenagear seus mortos queridos sepultados naquele local. Estas placas são chamadas de lápides.
  • Os epitáfios no passado procuravam narrar os atos heroicos do nobre, rei ou um membro proeminente da corte. Com o passar dos tempos começou a ser usado por toda população para lembrar as qualidades ou homenagear daquele ente querido que partiu deixando muita saudade.
  • No nosso caso há ainda a salientar que a estela era consagrada aos Deuses Manes. Quem são os deuses Manes? Na mitologia romana, os Manes eram as almas dos entes queridos falecidos. A sua veneração está relacionada com o culto aos antepassados. Como espíritos menores, estavam também relacionados com os Lares, os Genii e com os Di Penates. Os Manes eram ainda chamados de Di Manes (Di significa "deuses"). Os túmulos romanos incluem, muitas vezes, as letras D.M., como abreviatura de dis manibus, ou dedicado aos deuses Manes". Os romanos e mais tarde eram um povo muito devoto dos deuses. Os lares tinham locais próprios para tais atos como "lararium" ou "sacrarium" (O lararium é um pequeno santuário sagrado na antiga casa romana (domus), onde se realiza as oferendas e orações aos deuses ou espíritos guardiões domésticos (lares). Nas casas dos patrícios, o lararium geralmente ficava no Atrium (pátio principal das casas romanas). Todos os atos da vida, todos os elementos do lar eram controlados por uma divindade secundária: Ianus, deus da porta; Penates, deuses do interior da casa, da despensa; Lares (Deuses familiares, deuses protetores do lar ou da família, entre os Etruscos e entre os Romanos), deuses do campo; etc. Veneravam-se sobretudo os Manes.
  • O Pater famílias (o mais elevado estatuto familiar (status familiae) na Roma Antiga, sempre uma posição masculina. O termo é Latim e significa, literalmente, "pai da família") era o sacerdote desta religião doméstica; todas as manhãs oferecia alimentos e libações (Ato de derramar vinho ou outro líquido, praticado pelos antigos romanos em honra dos deuses) aos Manes e aos deuses do lar, no altar chamado Ara votiva. Todo o romano evitava praticar qualquer ato se um mau presságio marcasse alguma hostilidade divina: sal espalhado, um rasgão na toga, o aparecimento de um mocho, etc. Mas com o passar do tempo e com a conquista do mundo mediterrânico transformou também a religião romana. O Senado sempre aceitara e deixara instalar em Roma os deuses dos povos vencidos. Ora os deuses nacionais romanos, demasiado abstratos, sem história, rapidamente foram dominados pelos deuses gregos, mais vivos, mais poéticos. Foram conservados os nomes dos deuses romanos, mas foram-lhe atribuídos os sobrenomes e, sobretudo, as aventuras dos deuses gregos; não é de estranhar que a religião Católica romana se tenha difundido por todo o império com grande rapidez.
  • Com o passar dos séculos estas ações passaram com a igreja católica a serem feitas nas igrejas. Continuam com os altares, hoje a divindade é outra e os padres tomaram o papel de pater familias. É quase como dizer muda-se os tempos e mudam-se a maneira de fazer…
  • Bom, mas nós fomos para caminhar e é disso que tenho que falar. Deixamos Pinheiro de Tavares para trás e lançarmo-nos a conquista do Bom sucesso. Devo confessar que este bom sucesso não me passava pela cabeça como sendo um monte, antes um caminho que se fazia para agradecimento de uma qualquer coisa que teve sucesso. Hoje, já sei a verdade in loco.
  • O caminho que nos levou ao castro do Bom sucesso é um espetáculo. Há imensas fontes pelo caminho, musgos que são um regalo para os olhos e ficam sempre bem nas fotos e pequenas flores que são um prenúncio da primavera. A Camomila (Chamomilla recutita) que se encontrava nas bordas dos caminhos saudava a nossa passagem deixando-se fotografar mantendo a sua pose altiva na sua roseta alba protegendo seu núcleo amarelo dourado. Misturadas pelas tonalidades dos musgos alegravam os caminhos.
  • A subida não era acentuada e o trajeto fazia se por caminhos antigos ou por estradões modernos abertos para servir de corta-fogo. No decorrer do mesmo tivemos a oportunidade de passar por um antigo souto onde as arvores agora despidas, pelo general inverno, apresentam as formas libidinosas deixadas pelo tempo, era evidente que isto é só imaginação. Com algumas dezenas de anos ainda fizeram as delícias de quem queria trazer uma recordação do esventrado castanheiro ou das formas apaixonadas deixadas pelo fogo. Tudo isto é deixado a subtileza do toque de um corpo até ai desconhecido.
  • Findo, os cerca de 4 km até chegar ao parque de lazer do Bom Sucesso, almoçamos. O frio fazia-se sentir nas vertentes desprotegidas do vento, que obrigava a repor um agasalho até ali retirado pelo esforço despendido na subida.
  • Aqueles momentos em que fizemos uma paragem para almoço, pairava no ar alegria, descontração e muita confraternização, uma mescla vaga de sensações novas e conhecidas. Mas, tudo tem um fim. Era chegada a hora de partirmos, e desta feita a nossa próxima paragem estava a umas escassas dezenas de metros, era a ermida em honra de Nossa Senhora do Bom Sucesso. Pouco ou nada sei sobre esta ermida. Chegados ao espaço circundante, tiramos fotos, espreitamos pelas aberturas para o seu interior e fizemos um sem número de coisas. O nosso destino não terminava ali. Estava incansável e insaciável, queria mais, e subi mais além, mais juntinho ao céu e no seio da história da humanidade.
  • Estávamos no Monte da Senhora do Bom Sucesso, a cerca de 765 metros de altitude. Desde há muito que são conhecidos vestígios arqueológicos neste monte. Povoado com vestígios de estruturas habitacionais e defensiva, onde existe um troço de via lajeado possivelmente de fundação romana. Apresenta várias fases de ocupação, atribuíveis pelo menos à Idade do Bronze, Ferro, Romano e Medieval. Estou agora a falar do castro do Bom Sucesso. Ao longo dos tempos, diversos historiadores e arqueólogos têm referenciado o aparecimento de centenas de fragmentos cerâmicos, pesos, contas de colar, escória, etc.
  • Na realidade, os diversos achados à superfície e sem contexto estratigráfico, resultantes do revolvimento das terras e também dos achados e explorações de Leite de Vasconcelos nos finais do século XIX e inícios do século passado, anunciam que este Castro teve ocupação no Período do Bronze Final conforme atestam o achado de dois machados de talão, em bronze.
  • No lado sudoeste existe uma estrutura amuralhada constituída por pedras pequenas e médias que tinha por objetivo a defesa de uma plataforma onde aparecem apenas vestígios desta época.
  • Mas, é do período posterior, denominado de Ferro, e do período Romano, e que se estende pela parte mais alta do monte, a ocupação mais relevante desta continuidade de povoamento neste local. Aqui surgiu um espólio baseado fundamentalmente em cerâmica de construção, cerâmica comum, parte de uma lucerna decorada (pequena candeia romana que, com azeite, servia para iluminar), sigillata hispânica (cerâmica de ir à mesa, mas para ocasiões especiais, equivalente às nossa baixelas de porcelana). Antes da ocupação Romana é de referir que as casas de habitação deste castro eram as típicas da Cultura Castreja ou circulares ou retangulares. Leite de Vasconcelos refere a existência dos dois tipos de plantas e formavam ruas.
  • Tal como os outros castros da Península Ibérica também este foi romanizado, aliás os diversos materiais tipicamente romanos provam isso mesmo, bem como as técnicas de construção das casas ou a adoção de novas matérias de construção. Por exemplo, o colmo ou outras matérias vegetais que preferencialmente eram utilizados como telhado das casas foram gradual e consistentemente substituídos pelas telhas cerâmicas romanas.
  • Importante referir que os machados de talão e de aselhas são uma especialidade Ibérica, do chamado Bronze Atlântico. Há autores que apresentam o machado de talão uniface como sendo tipicamente "português", sobretudo da zona centro, enquanto o tipo de talão e duas aselhas é hispânico, no castro de Bom Sucesso surgiram os dois tipos.
  • Mas isto é o que nos dizem os escritos sobre o dito castro. Uma indicação sobre o local do dito e pouco mais, foi tudo que se encontrou. Não se encontra qualquer tipo de informação sobre o castro. O que se consegue ver é um monte de ervas altas, devotado ao abandono de qualquer género de conservação. A via romana que se sabe existir ainda se podia ver e encontrava-se visível. Não consegui ver ou ter uma imagem mental de qualquer semelhança com um castro ou casas como se encontram noutros castros.
  • É um local com uma vista assombrosa que se estende até à Serra da Estrela, partindo de um monte em cujo topo se encontra uma muralha circular, em que o centro é um marco geodésico. No interior dessa muralha podemos encontrar pedras muito antigas (gravadas com figuras de vieiras e formas circulares), assinalando uma certa presença ritualista. Há uma dessas pedras que chamou atenção pela forma de maça meia comida.
  • Aqui com a serra da estrela como pano de fundo tiráramos uma foto para a posteridade. O local é magnífico e a presença era mais convidativa se o vento não fosse tão incomodativo. No entanto o som do vento era abafado pelo ruído das duas pedreiras que circundam o Monte do Bom Sucesso. É desagradável, substituir desta forma os sons da natureza. Dou um especial destaque para a magnífica vista que este local nos oferece.
  • Descemos desse topo através de uma ampla e antiga escadaria que nos conduz ao sopé onde num planalto procuramos vestígios do castro. Se ele lá estava, não os vi com, os olhos que a terra há de comer.
  • Este monumento foi classificado como Monumento Nacional através do Dec. Nº 67/97, Diário da República nº 301 de 31 de dezembro de 1997.
  • Regressamos ao parque de lazer pelo caminho que nos tinha levado ao castro. Íamos enfrentar agora uma acentuada descida até Casais, mais uma das povoações que se pode visitar nesse trilho. A distância era curta, cerca de 900 metros, era a mesma que nos separava de um apetecido café.
  • Há dias em que nos entra pela porta a sorte grande. Este estava destinado ao dono do café coelho, em Casais que se vê rodeados por cerca de 35 caminheiros desejosos por um café, o que certamente triplicou a procura deste em relação aos idênticos dias anteriores.
  • Uma vez mais fizemos-mos ao trilho. Desta vez o ambiente bucólico que nos rodeava era exuberante e cheio de prenúncio de primavera. Contrastando com a pelagem negra das ovelhas, umas pequenas flores brancas cobriam o chão do prado como documentam as fotos que os mais atentos tiraram. Fantástico. Todo este mistério da natureza é obra do criador. Uma vez mais os campos agrícolas contrastam com os pinheiros bravos cobertos com o seu verde característico. Estávamos próximo de S. João da Fresta, a aproximação da mesma aumentava o espaço humanizado e o fim estava próximo. Ao longe já se via a torre sineira da igreja de São João batista e repousando a seu lado o autocarro. É o fim do nosso trilho que passados cerca de 12 km, estamos no ponto inicial. Após uma pequena pausa para recompor o corpo e as vestimentas partimos em direção a sede do concelho: Mangualde.
  • O povoamento de Mangualde começou na época castreja. A prová-lo está o castro do monte do Castelo, origem da terra de (A)Zurara, contudo, existem outros vestígios históricos dessa época, que levantam a hipótese de povoamentos anteriores. As terras deste concelho sofreram também a ocupação dos Romanos e mouros. Foi-lhe outorgado o primeiro foral em 1102 pelo conde D. Henrique, posteriormente confirmado pelas ordenações afonsinas (Afonso III) e manuelinas (D. Manuel I), em 1514. Até fins do século XVIII, Mangualde teve a designação de Azurara da Beira. O nome Azurara provinha de um alcaide mouro, que teria esse nome. O castelo que ali existia terá sido tomado por um chefe mouro de nome Zurara, com a ajuda dos cristãos que se tinham estabelecido em Linhares. O castelo, que tinha algum valor defensivo no vale do Mondego, acabaria por ser demolido em 1828. No seu lugar foi construído um santuário com o nome de Nossa Senhora do Castelo.
  • É precisamente esta ermida que visitamos antes de entramos na urbe de Mangualde. No começo do séc. XV, foi levantada uma capelinha dedicada a Santa Maria do Castelo num terraço não longe do cimo do monte em lembrança da batalha travada em Trancoso entre soldados de Portugal e de Castela.
  • Mais tarde outra capela se ergueu, substituindo a primeira. E esta capela se manteve até 1832, data da entronização da imagem da Senhora do Castelo no templo que ainda hoje se ergue no aplainado cume da colina. O Santuário de Nossa Senhora do Castelo, que possui uma escadaria com 212 degraus. Uma vez mais os meus pensamentos vão de encontro a batalha de Trancoso. A batalha, ocorreu no final de maio do ano de 1385 quando forças que obedeciam ao rei João I de Castela invadiram Portugal.
  • A invasão castelhana, foi uma medida de represália que se seguiu à proclamação em Coimbra em 6 de abril de D. João, mestre de Aviz, como D. João I, rei de Portugal e Algarves.
  • A aclamação oficial de D. João I como rei de Portugal foi vista como uma afronta direta ao rei de Castela, que pretendia acrescentar Portugal aos seus domínios.
  • Perante as notícias da perda praticamente total do seu exército, o rei de Castela entendeu que sem um exército verdadeiramente poderoso não seria possível vencer Portugal. Dois meses depois, o próprio rei marcharia sobre Portugal, à frente do maior exército de que havia memória nos países Cristãos desde há muitos séculos. Um exército tão grande, que poderia garantir a Juan de Castela o domínio de Portugal. Esse poderoso exército passaria à história, em 14 de agosto de 1385, num lugar chamado Aljubarrota.
  • Como se pode ver o reino português era cobiçado por Castela, hoje temos o reinado da Troika que se quer apoderar deste reino débil e moribundo.
  • Deixamos a senhora do castelo e partimos para o centro mais propriamente dito, para a Confeitaria do patronato cuja especialidade é o pastel de feijão doce conventual e que hoje já faz esta casa parte do Roteiro Gastronómico. Não foi obrigatório ir ao patronato, desta forma houve valentes caminheiros que se aventuraram no petisco das moelas.
  • É a hora do regresso. Tudo coreu bem. Deu para viajar um pouco pela história e deixar-me levar livremente pelo deambular dos livros a procura de explicações de Aras Votivas ou estelas funerárias romanas. São estas e outras questões que me fazem voltar.

Agostinho Santos

 

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