Viagem ao “Coração do Reino Duriense”

Embarcamos num tempo de mudança. Falo em termos climáticos e não naquele novo ciclo politico exigido pelos portugueses, estou certo que a pequena percentagem não quer essa mudança – os políticos. A este período que me referi atrás, e o qual se repete todos os anos denomina-se de outono. A chegada do outono costuma mexer comigo, trazendo tristeza, cansaço, sono e uma certa melancolia, o calendário não engana. A verdade é que a mudança de estação não só afeta o nosso organismo como a própria natureza. É certo que também é a mais colorida, mesmo que seja sinónimo de morte. Com os dias cada vez mais curtos, manhãs e noites frias, ameaças de chuva e vento imprevisível. Esta despedida do verão foi abrupta e pode não ser fácil: mexe-nos com as emoções. Todos desejam mais umas semanas de calor e de céu luminoso, mas a redução da luminosidade e as alterações climáticas afetam mesmo o organismo.

As razões que  os investigadores apontam está relacionada com a diminuição das horas de luz solar. Como há menos luminosidade a entrar-nos pelos olhos e a viajar até ao cérebro, ocorre uma redução na produção de serotonina, o neurotransmissor associado à regulação do humor, sono, apetite e até dor. Simultaneamente, à medida que as noites vão sendo mais longas, aumenta a produção de melatonina, a hormona que estimula o sono. O corpo sente-se mais preguiçoso, falta de paciência, fadiga incontrolável e necessidade de ficar na cama. Por estes dias, o corpo começa a sintetizar menos vitamina D, já que passa a ter menor exposição direta ao sol. Esta vitamina desempenha um papel importante na proteção contra doenças como a depressão. É essencial apanhar o máximo de luz natural para equilibrar a produção de serotonina e de melatonina.

Aproveitem-se as horas de sol para um passeio, fazer programas na natureza, pode também ajudar à absorção dos raios solares e no combate ao stress e à ansiedade. Importante é ainda o exercício físico para afugentar a letargia e aumentar a produção de hormonas benéficas. O outono é um momento fantástico para praticarmos as caminhadas que o ANDAR nos proporciona e o melhor é aproveitar a energia, os cheiros, as cores e as potencialidades únicas desta estação. O estado de espírito outonal dura apenas o tempo até uma nova estação, e as "outonalidades" também tem os seus momentos áureos – a fotografia. Se quisermos recordar diante do calor da lareira em pleno inverno as cores do outono, esta é a altura de o fazer.

A natureza e prodigiosa, sabe, quando é altura de lançar a terra as sementes que darão frutos no ano seguinte, e este é o momento certo. Numa mistura de nutrientes e uma mescla de folhas lá fica até a próxima primavera para germinar com os próximos raios primaveris.

Acordava e sabia que o dia existia, mesmo para além da penumbra. E lentamente a energia regressava ao meu corpo, reclamado aquilo que precedia a noite – o sol. Não pensei nas vezes que tinha acordado e adormecido. E levantei-me com a vontade de regressar a vida. A memória aos poucos é reconstruída e as ideias tomam forma, e era hora de me lançar a aventura para mais uma caminhada. É desta maneira que pretendo aproveitar o sol que ainda resta, e “in loco” ver um dos espetáculos que esta estação promove – as vindimas.

Particularmente este espetáculo não me é estranho, mas sempre há novas imagens que se fundem na minha memória, e recordam-me cheiros, sons, imagens e sorrisos. É sem dúvida um momento de recordações boas e memoráveis. Agora que já desvendei o porquê da minha boa disposição ao acordar, é altura de desvendar um pouco do que se passou nesse sábado, dia 5 de outubro.

Como têm sido habitual no andar, aos sábados, uma vez por mês, abalamos para conhecer ou reviver um pouco de uma zona deste planeta mal tratado, desta vez tivemos o privilégio da bonita zona de Favaios e o encanto do pachorrento rio Douro espreguiçando-se nas margens da vila de Pinhão.

A Viagem correu sem sobressaltos, e após umas duas horas de percurso cruzamos aquela que é sede do concelho – Alijó. Como uma flecha de cupido, atravessamos Alijó num ápice, não antes estamparmos o olhar em belos solares, igrejas, capelas e casas senhoriais, que se espalham pelo centro da vila. O concelho apresenta um caráter rural, inserido na Região Demarcada do Douro, é um concelho que vive essencialmente da agricultura e do pequeno comércio. A cultura vitivinícola - cultura dos vinhos finos ou generosos e de mesa, praticada essencialmente nas terras junto aos rios que delimitam o concelho. A beleza é omnipresente e marcada por duas zonas distintas: a zona norte agreste, rica na cultura do azeite, cereais, leguminosas, batata e amendoais e a zona Sul tipicamente duriense, repleta de vinhedos em socalcos e paisagens verdejantes. Tanto hoje como no passado o clima, a situação geográfica e o magnífico património natural e arqueológico impuseram-se como fatores de atração

Azáfama era grande em torno da adega cooperativa de Alijó, era visível, um sem número de curiosos, oriundos de outras paragens, que acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos, com dedicação e com reportagem fotográfica.

A época das vindimas já começou e já vai a meio, é o culminar de um ano de intenso trabalho, mas há quem aproveite para muitos momentos de festa e de convívio, como é o nosso caso.

Ver a tradição como era e ainda é, algo que só nestes momentos se pode apreciar, pegar na tesoura, num balde e cortar as uvas, recolhe-las em cestas de vime a cabeça, encostas acima é um trabalho penoso e que ainda hoje se pode apreciar. Esta tradição que hoje se revive, com o intuito de promover o turismo e por agregação o vinho do Porto. É certo que muito antes de entrarmos na zona do tão afamado vinho, ainda passamos por um não menos afamado vinho – o Favaios.

Seria uma falta de respeito, não falar aqui deste néctar. Este majestoso produto de excelência da Adega Cooperativa de Favaios, único e inconfundível, mundialmente apreciado e reconhecido com a atribuição de diversos prémios nacionais e internacionais. Que tem como a sua produção a partir da casta Moscatel Galego. De sabor a doce de mel e compotas tem um aspeto límpido, de cor ouro brilhante e um aroma de casta evidente, apresentando algumas notas de laranja e mel. Este é um vinho para beber antes e depois das refeições. Ou ainda antes de iniciar uma caminhada do ANDAR, como aconteceu, pela simpatia do nosso amigo Alexandre.

Há mais encanto em Favaios além do apetecido néctar. É sem dúvida, uma povoação rica pela sua situação natural. Implantada num dos mais belos planaltos da região, realça, em disposição, clima e beleza, entre os demais povoados que a cercam. Mas donde deriva o nome de Favaios? A questão inquieta-me. Há que descobrir o Passado. Muito próxima da região de Panoias, como já em outros percursos falamos, Panoias era muito falada, segundo os historiadores era uma das mais importantes regiões, e já existia mesmo antes do domínio romano. É com as invasões romanas entre os anos 218 a.C. e 201 a.C. e com a perda de território por parte dos Lusitanos e Hispânicos que se dá uma romanização em toda a Península Ibérica. Como região rica que era, naturalmente que “Favaios” - ainda não se designava assim – atraia a si os familiares dos imperadores e das altas elites romanas. Aqui não muito longe de Flavia Augusta (Chaves), por certo os fundadores foram imperadores que faziam parte da dinastia Flaviana ou Dinastia Flávia. Era a segunda dinastia de imperadores do Império Romano. Os Flávios ascenderam ao poder através de Tito Flávio Vespasiano depois da crise do ano dos quatro imperadores. Pressupõe-se, que a origem do nome Favaios deriva dos Flávios, por corrupção de Flavius, seu fundador.

Os anos passam, e Favaios juntamente como toda a Ibéria sofre com as sucessivas ocupações do território lusitano por parte dos romanos, seguiram-se as invasões muçulmanas. Ao chegarem ao norte do território tomaram o Castelo de Flávias, chamado e conhecido pelo povo como “O Castelo dos Mouros”. Como consequência da invasão, o povo é obrigado a refugiar-se e a procurar outras paragens. A zona é coberta pela destruição das sucessivas batalhas. Isto levou a construção da aldeia atual de Favaios. Mais tarde, Favaios recebe o Foral e torna-se concelho da região até meados do século XVIII.

Há muita história para descobrir na região. Mas a nossa passagem por Favaios não tem nada a ver com a história local, mas com as magníficas paisagens que a rodeiam e nos conduz a Vila de Pinhão.

A manhã chegara límpida e fria, com a aspereza que sugeria o fim do verão. Lentamente deixamos para trás os copos vazios de Favaios e mergulhamos nas entranhas das suas ruas. Alguns minutos passados e o cenário eram deslumbrantes. As encostas transbordavam vinhedos. Paisagens, dos campos plantados as vistas mais deslumbrantes, o aglomerado urbano contrasta com a natureza. Paisagens que mostram a sua beleza natural, e também a importância que a atividade vinícola representa para toda a região. A vinha, que se torna uma marca paisagística única de Favaios.

À medida que nos afastamos de Favaios a paisagem reinventa-se. As casas salpicam de branco o verde da paisagem, as encostas tornam-se íngremes mergulhando no Douro, rio Pinhão ou Tua.

Deixamos para trás a região de Favaios e entramos na região demarcada do douro.

O facto de haver zonas distintas de culturas e castas de vinho não quer dizer que o vinho do porto seja mais antigo que o Favaios, melhor, o vinho já é conhecido e o cultivo das uvas, desde a antiguidade, como descreve nos seus escritos Estrabão, o grande geógrafo da antiga Grécia, indica que os habitantes do noroeste da Península Ibérica já bebiam vinho há dois mil anos.

Os romanos, que chegaram a Portugal no século II AC e permaneceram por mais de 500 anos, cultivaram vinhas e faziam vinho nas margens do rio Douro, onde o vinho do Porto é hoje produzido. O período de prosperidade que se seguiu à criação do reino de Portugal, em 1143, viu o vinho tornar-se num importante produto de exportação. No entanto, o aparecimento do vinho do Porto, como sabemos, ocorreu muito mais tarde. Os primeiros vinhos conhecidos por este nome foram exportados na segunda metade do século XVII. É importante referir a importância do Tratado de Windsor em 1386. No qual focava e tinha estabelecido uma estreita aliança política, militar e comercial entre a Inglaterra e Portugal. Houve por assim dizer uma liberdade de mercado, entre os dois, onde cada país concedeu aos comerciantes do outro país o direito a residir no seu território e a comercializar em condições de igualdade com os seus próprios súbditos. Desenvolveram-se relações comerciais fortes e dinâmicas entre os dois países e muitos comerciantes ingleses estabeleceram-se em Portugal. Estava dado o grande passo para a exportação e desenvolvimento do Vinho do “Porto”. Na segunda metade do século XV uma quantidade significativa de vinho português era exportada para a Inglaterra, muitas vezes em troca do famoso bacalhau. O tratado comercial anglo-português de 1654 criou novas oportunidades para os comerciantes ingleses e escoceses que viviam em Portugal, permitindo-lhes privilégios especiais e direitos aduaneiros preferenciais. Naquela época, o centro do comércio do vinho não foi o Porto, como mais tarde se tornou, mas a elegante cidade costeira do norte, Viana do Castelo, cuja situação no amplo estuário do rio Lima a tornou num porto seguro natural. Os comerciantes importaram mercadorias, tais como lã e tecidos de algodão da Inglaterra e exportaram cereais, fruta, azeite e o que era conhecido como "red Portugal”, ou "tinto de Portugal", esse vinho leve e ácido produzido nas proximidades na região verdejante do Minho, particularmente nos arredores das cidades de Melgaço e Monção. Como se pode ler não foi o vinho do porto o primeiro ser exportado, mas, sim o vinho verde ou talvez o Alvarinho de que gosto tanto. O poder económico dos ingleses depressa se transforma em poder de desenvolvimento na região do douro, mas foi no século XVII que o Vinho do Porto teve grande expansão, originando o Tratado de Methwen entre Portugal e a Inglaterra, com vista à sua exportação. Com o crescimento em alta, é ordenada em 1756 pelo Marquês de Pombal a demarcação do vinho do porto dando origem a mais antiga Região Demarcada do mundo. A região do Douro é, conhecida pela notável qualidade dos seus vinhos e pelo famoso Vinho do Porto, o vinho generoso que esteve na origem desta.

Esta região os solos é essencialmente de xisto, em algumas zonas, também graníticos. Embora particularmente difíceis de trabalhar, estes solos são benéficos para a longevidade das vinhas e permitem mostos concentrados de açúcar e cor. O custo da transformação dos solos é elevado, daí o capital inglês ter entrado em alta. Tomam conta da exportação e lentamente começam a apoderar-se também da produção. A transformação do terreno começa. E a plantação da vinha em socalcos parece ser a melhor opção. Os socalcos tradicionais suportados por muros de pedra construídos à mão nas íngremes encostas, por certo estas são as vinhas mais antigas. A maioria dos socalcos é estreita, muitas vezes tendo apenas uma ou duas linhas de videiras. Estes socalcos históricos elevam-se pelas encostas rochosas como as escadarias das pirâmides, produto de séculos de trabalho árduo. É esta obra de arte, feita de suor que leva a que seja classificado como Património Mundial, os socalcos formam uma das mais dramáticas e inspiradoras paisagens vínicas do mundo. No final do século XX, o custo de construção destes muros era já proibitivo, não sendo construídos nos dias de hoje.

Mudam-se os tempos muda-se a maneira de plantar. Surgem nas encostas os patamares. São modernos socalcos cortados nas encostas através do uso de equipamentos de terraplanagem. Não são suportados por muros, mas sim separados por taludes altos em terra. Observados a certa distância ou desde o ar, assemelham-se a gigantescas linhas de contorno. Se bem que a construção dos patamares é relativamente barata e rápida, no entanto, pode causar uma série de problemas ambientais se estes não forem devidamente construídos, nomeadamente a erosão do solo. Com o tempo novo técnicas vão sendo aplicadas, de forma a reduzir custos e obter melhores resultados. Implementa-se novas técnicas nas zonas onde a inclinação o permite, os terraços podem ser substituídos por linhas verticais de vinhas que se elevam perpendicularmente na encosta. Esta é uma técnica que tem sido aperfeiçoada nos últimos anos e que é conhecida como vinha ao alto. Os avanços nas técnicas contra a erosão e de drenagem têm permitido que um número crescente de vinhas fosse plantado desta forma. A vinha ao alto tem várias vantagens, incluindo uma melhor exposição da folhagem da videira.

Mas, se o solo é xistoso como é que a videira vai buscar a água?

Na região do Douro o leito da rocha nunca se encontra longe da superfície, muitas vezes sobressaindo dramaticamente do solo de forma espetacular e, por vezes através dos velhos muros dos socalcos. Em muitos lugares, as vinhas crescem em não mais de meio metro de solo e têm de avançar com as suas raízes através das fendas e fissuras existentes na rocha para chegar à água que corre na profundidade abaixo da superfície.

O solo, no qual estão plantadas as videiras do Douro, é composto de xisto, uma rocha metamórfica fortemente laminada, rico em nutrientes, este solo tem também a útil propriedade de retenção da água, por vezes, apenas a suficiente para permitir à videira sobreviver nas condições áridas que prevalecem durante a maior parte do verão. Assim, o solo das vinhas do Douro partilha a qualidade essencial de muitos solos vitícolas. O clima seco, combinado com as pequenas bagas de pele grossa, que caracterizam as castas tradicionais do vinho do Porto, produzem vinhos de extrema riqueza e profundidade.

Percorremos os estradões ladeados por vinhedos, abertos no solo xistoso. Numa paisagem, que nos parece desabitada, mas, há sempre um olhar perdido, que por detrás das paras, segue os nossos passos. O piso ainda encharcado pelas recentes chuvas, obriga-nos a deixar as nossas marcas no chão, ainda que não sejam permanentes, elas ficam por tempo indefinido. Houve questões que foram postas e respostas que foram dadas ali, ao sol da manha. Com as montanhas a fazer às vezes de muro e a quebrar o olhar no horizonte, fundindo o céu com a terra numa mistura quase indecifrável.

A estrada desviava-se para a floresta, e uma mistura de pinheiros, oliveiras e medronhos, estes últimos fizeram adoçar a boca de muitos caminheiros. A cor fogo e deliciosa dos medronhos (Arbutus unedo) atraiam o olhar de quem passou junto, não deixando de praticar o gesto de apanhar o delicioso fruto. Os seus frutos têm um forte poder antibacteriano e é utilizado na arteriosclerose, diarreia, doenças do fígado, rins e aparelho urinário. O mel tem propriedades balsâmicas, mas não deve exagerar no seu consumo. O nome, unedo, quer dizer que só se deve comer um. Já era conhecido e comido na Grécia Antiga, e o seu valor alimentar e medicinal só mais tarde foi reconhecido. Os frutos são comestíveis mas um pouco indigestos, pois contêm muitos taninos. Se estão muito maduros podem dar origem a ligeiras intoxicações alcoólicas.

As vinhas povoam pedras e memórias dos idos desta terra debruçada sobre o Douro. E são essas pedras que sobrevivem às estórias de esforços, aos feitos de pequenos dias heroicos de gentes que a vida maltratou entre a vinha e o olival. Mãos calejadas pelo trabalho e que não distinguem as letras. Toda a intelectualidade aqui se esteriliza, e só restam, gestos simples e já gastos pelo tempo que se herdaram de gerações passadas e que serão passadas as gerações vindouras. A paisagem sente-se andando nesse nascente poente que pode começar nas altivas colinas de Foz Coa e findar no horizonte de Sabrosa, que se deixa pintar em aguarelas no inesquecível reflexo do sol que as águas do douro vão revelando, entre os vinhedos e os olivais perdidos nas colinas sobranceiras a este. Tudo cumpre o seu tempo.

Um trabalho tornado realidade. Começa-se por preparar o solo, plantar o bacelo, podar, sulfatar colher, pisar e assim se completa o ciclo do vinho. Paisagem de sonho e vinhos soberbos, a revitalizar uma área natural, cuja riqueza e biodiversidade natural e cultural são imensas. O turismo de natureza, em Portugal, cresce e o Douro visa tornar-se num destino de referências para além fronteiras.

Para nós, já o é. E perdidos nestas paisagens, recheadas das mais variadas castas de uvas, ousamos provar um pouco de tudo. Branca, tintas ou moscatel...na boca desfaz-se num deleite de sabor doce... Ainda longe do álcool que me destrava a língua.

Depois de uma pausa para o almoço, ainda, longe do término, a aventura recomeça. Agora num sobe e desce de estradões que acompanham o terreno íngreme dos vinhedos. A azáfama continua e a tarefa da apanha da uva não dá tréguas aquém faz disso a sua profissão. A nossa preocupação era o trilho, onde buscávamos algo que nos chama-se atenção para uma foto para a posteridade ou como prova da nossa estadia ali.

A nossa caminhada continua, o aglomerado urbano, ainda que escasso, aumenta e, uma povoação surge - Vilarinho de Cotas. Já muito próximo ou mesmo em pleno “Coração do Reino Duriense”. Uma vez mais, para mim o “café sossego” é o ponto de paragem. Povoação antiga como alega e prova as construções castrejas e os vestígios de ocupação romana. Como falei atrás, com a invasão da Vila de Favaios pelos Mouros, Vilarinho de Cotas viu a sua importância a aumentar com grandes deslocações de fugitivos que se instalaram aqui. Como não poderia deixar de serem devido à sua situação geográfica, as principais produções desta freguesia são o vinho de porto, de mesa e o azeite.

Uma vez mais surge a importância do azeite, nesta região de mão dada com o vinho. Este produto é um dos fortes concorrentes, e muitas são as quintas que o produzem. Um pouco mais a montante a amêndoa ganha também importância, juntamente com estes dois. A amêndoa também estava presente no nosso caminho, em quantidade muito diminuta, mas, que tivemos a oportunidade de provar, quem assim o quis. Não menos importantes eram as figueiras e as amoras. O doce sabor do figo acompanhado por um punhado de amoras... Já não se passava fome, não que houvesse alguma, uma vez que abundância de uva a matasse.

No virar da esquina, o douro, surge a brilhar como um cristal azul-turquesa “sujo”. Nas calmas águas, um rasto branco vai ficando para trás, deixado por um dos muitos barcos que navegam ao longo do rio, não como antigamente carregado de pipas para o Cais de Gaia, mas, desta vez a sua carga são turistas que pagam a peso de ouro, para ver o Património Mundial.

À medida que o sol aquecia a memória com calor que se ia dele escapando, a nossa próxima meta estava mais próxima, sendo o sinal a subida. Estavam lançadas as bases para tornar o nosso objetivo possível que permitia atingir o almejado Miradouro de Casal de Loivos. Daqui há vida. Esta é uma das paisagens que se destacam no Douro, tendo sido considerada pela BBC Londres como uma das mais bonitas do mundo. Deste ponto avistam-se os rios Douro e Pinhão, a povoação com o mesmo nome, e o serpentear dos montes que rodeiam os cursos de água. A vinha é uma constante em toda a paisagem, sendo possível diferenciar vários tipos de cultura usados na região. Aqui os sentidos ficam inebriados com os aromas, os sons e a panorâmica que se depara com o nosso olhar. Caminhos serpenteados, aldeias semeadas pelas encostas. Quintas onde os vinhos envelhecem nos tonéis e lá em baixo, calmo, manso, o rio esse magnífico espelho que reflete todo este mundo de encanto e de sonho.

O primeiro desafio do trilho está vencido, mas falta ainda vencer outro e há ainda muito caminho a desbravar, e conscientes da responsabilidade e acreditando no longo caminho que ainda temos para percorrer, partimos, não sem antes fotografar a paisagem duriense. Erguer os olhos e ver com clareza para lá do rio, onde se escondem as aldeias, e, até às terras fabulosas do vinho do porto, e seguir com o olhar o curso do rio, mais além, do sopé das encostas. É hora de partir e não olhar para trás para toda esta beleza que guardamos agora na memória.

Pinhão aguarda-nos inerte junto ao preguiçoso rio, como lhe chamava no livro de escola do nosso amigo Carlos Pinto. Situada no “Coração da Região Demarcada do Douro” é ladeada pelos rios Douro e Pinhão, encontrando-se deste modo na rota do Vinho do Porto. Devido à sua situação geográfica, Pinhão tornou-se um importante entreposto comercial, sobretudo para o transporto do Vinho do Porto, primeiro em Barcos Rabelos, depois em vagões pela Linha do Douro e finalmente em camiões cisterna, o que permitiu a esta localidade um rápido desenvolvimento, alcançando o estatuto de centro económico geográfico da Região demarcada do Vinho do Porto.

Dirigindo-nos agora encosta abaixo para a ponte de ferroviária de pinhão, serpenteando as vinhas, que agora cruzamos, mesmo na sua alma, nos caminhos que o vinhateiro percorre na sua labuta diária. Peniscando um cacho aqui outros além, comentando, sobre a doçura das uvas ou a cor que tinge mais neste ou naquele socalco. Tudo serve para tagarelar ou mesmo disfarçar o cansaço de uma dúzia de quilómetros que já levamos nas pernas.

Pinhão surge mesmo a nossa frente, junto a entrada da real companhia velha onde o transporte de camiões vem depositar as uvas para a sua missão final – fazer o vinho do Porto. A vila não é grande, mas oferece o melhor que tem ao visitante. Hoje, o Pinhão, visando essencialmente o comércio e o turismo, oferece usos seculares, tradições, vindimas, adegas tradicionais, artesanato e, sobretudo a famosa paisagem em socalcos das vinhas durienses.

Estamos agora diante da ponte rodoviária sobre o rio Douro projetada por Gustavo Eiffel no século XIX, e pisamos o seu tabuleiro que nos leva a outra margem onde se encontra a Quinta das Carvalhas, nosso próximo ponto de encontro. Esta propriedade, de enorme beleza e espetacularidade, tem uma posição predominante na encosta da margem esquerda do Rio Douro virada para o Pinhão. Cobre toda a colina sobranceira ao Rio Douro, estendendo-se até ao topo, que é ocupado pela "Casa Redonda" - uma casa de hóspedes visível a quilómetros de distância e ocupa também uma parte da encosta superior da margem direita do Rio Torto. É certamente a maior Quinta da Região do Douro, e pode considerar-se a "Joia da Coroa" da real Companhia Velha, que a adquiriu em 1975. Mais, recentemente a Quinta se expandiu para os atuais 600 hectares de superfície, através da aquisição, e posterior em parcelamento, de diversas propriedades subjacentes. Chegamos, e não precisamos dos 600 hectares para nos sentar, nos móveis feitos com a originalidade dos apetrechos vinícolas, e, saborear um Porto com oito anos. Não sei qual a casta ou o tipo de vinho, sou um imberbe na matéria. Mas, a minha curiosidade fala mais alto e foi basculhar a biblioteca universal que é a internet. As castas cultivadas na região não são célebres pela sua elevada produção, contudo têm uma história secular, já que o cultivo de algumas delas remonta à época da Ordem de Cister (Idade Media). Na segunda metade do século xx, iniciou-se o estudo e análise das castas plantadas e chegou-se à conclusão que as melhores castas para a produção de vinho do Douro e Porto, são: a Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Barroca, Aragonez (na região denominada de Tinta Roriz) e Tinto Cão. As novas quintas da região cultivam essencialmente estas castas, mas também outras muito importantes e com bastante expressão na região, como por exemplo, as castas Trincadeira e Souzão. A produção de vinhos brancos é essencialmente sustentada pela plantação de castas como a Malvasia Fina, Gouveio, Rabigato e Viosinho. Espetáculo, as coisas que se podem descobrir. Outras há aqui, que podiam ser enumeradas, mas, estas são as mais representativas. Só o vinho produzido na Região Demarcada do Douro, respeitando normas de produção e envelhecimento rigorosamente controladas, pode utilizar a denominação "Vinho do Porto". Durante o seu processo de envelhecimento, o vinho é submetido a provas de controlo de qualidade, quer analítica quer sensorial, efetuadas pelos Laboratórios e Câmara de Provadores do Instituto do Vinho do Porto, um dos organismos públicos mais antigos e prestigiados de Portugal. Esta entidade tem como principal missão o controlo oficial e a defesa do prestígio do Vinho do Porto bem como a sua promoção a nível mundial. Apenas os vinhos que cumprem os exigentes critérios de qualidade estabelecidos têm o direito de usar o selo de garantia emitido pelo Instituto do Vinho do Porto. Vinhos do Porto Brancos, como o nome indica, são vinhos elaborados exclusivamente a partir de uvas brancas e apresentam uma doçura variável, desde os muito doces chamados "Lágrima", passando pelos "Doces", "Meios Secos", "Secos" até aos "Extra Secos. O seu teor alcoólico varia normalmente entre os 19% vol. e os 22% vol. Existe uma categoria especial designada "Leve Seco" que, além de ser bastante seco, apresenta uma graduação alcoólica de 16,5%. Os vinhos do Porto Tintos, existem dois grandes grupos: os vinhos Sem Data de Colheita (Ruby, Tawny, 10 anos, 20 anos, 30 anos, e Mais de 40 anos) e os vinhos Com Data de Colheita (Vintage, LBV e Colheita). O esforço do homem na conversão dos solos inóspitos em vinhas, dá nisto. Há muito que aprender numa visita as caves do vinho do Porto. Depois de degustarmos o nosso Porto, adquirimos algumas garrafas, quem o quis fazer, deixamos para trás a sala de provas e regressamos a ponte de Gustavo Eiffel. Passamos calmamente a estrutura centenária e já na outra margem do rio, no lado de Pinhão, exploramos a nossa maneira aquela que é sala de visitas da Vila do Pinhão.

Junto ao rio, recostado numa cadeira, olho o espelho de água que me transmite a sensação de calma. O sol aquece-me as faces já queimadas, e deixa-me inerte. Subjugado pelo porto tónico que trago lentamente, sou reavivado pelas risadas e conversas do resto do grupo que me rodeia. Agora deixando que o grupo absorva os meus pensamentos, me integro na animação circundante. Recordamos tempos passados, ali, nos balseiros, onde por longas horas nos divertimos. Ainda temos alguns minutos para o nosso ponto de encontro em frente a estação de Pinhão. Fala-se agora nas mudanças que a vila tem tido, do tempo da Dona Manuela, das noitadas diante de um garrafão de Favaios...

Os barcos chegam, encostam e descarregam grupos de turistas, que se dirigem passivamente para a estação, onde um autocarro os espera e os conduziram a visitar algumas caves da região. As paisagens durienses convidam os turistas a visitas sazonais com especial realce para as vindimas e lagaradas.

Os barcos dormitórios, estão a chegar e atracam junto ao cais para mais uma noite calma, a bordo a animação toma conta do resto. Não precisamos de barco para nos animarmos, enquanto tragávamos uma taça de vinho, deu-se conta que aquela poderia ser uma dessas alturas para recordar as estórias passadas. O sabor doce e frutado do vinho, encheu-lhe a boca e trouxe um sorriso aos lábios. O ar estava quente. As ruas adornadas com elementos vinícolas, atraiam a atenção do visitante do burburinho grave das nossas conversas ébrias. Estávamos em boa companhia, e apreciávamos as histórias que saiam da boca de qualquer um. Umas eram mais divertidas do que as outras, mas todas nos davam gozo e depois de uma caminhada como a que tínhamos terminado, sabia bem. Não devemos esquecer o rio Douro, sempre convidativo para um passeio de barco avistando as quintas das bem conhecidas casas produtoras de vinhos generosos.

Tudo tem um fim, e as nossas histórias tinham que ficar por ali. Na estação, o início de outra história começava. Dirigimo-nos para lá. Esta localidade possui a nível de património uma Estação de Caminhos-de-ferro ornamentada com azulejos oitocentistas, dos mais belos de Portugal, 24 painéis com motivos vitivinícolas, documentando a labuta dos trabalhos durienses. Assim como a Linha do Douro com realce para o Comboio Histórico a Vapor. Na época alta, percorre lançando nuvens negras de fumo e gritando pouca terra, pouca terra, falamos desse comboio que hoje funciona só ao serviço do turismo. Não foi esse dia o caso, mas um comboio turístico, com animação a bordo, concedeu-nos a honra de posar para a foto, enquanto passeávamos pela estação e seus jardins. Azáfama era grande. E o vai e vem dos turistas era constante. Ainda houve um tempinho para visitar Wine house, adjacente a estação de Pinhão. Deliciosa compota de uva, fez a delícia de muitos, talvez pela fome. Uma caneca de chã de cidreira e outro de camomila fresco, chegou na hora certa. Se não provaram, foi porque não quiseram, estava lá.

Bom, retomando a nossa viagem, agora no autocarro de regresso. Tomamos novamente a ponte rodoviária, sobre o rio Douro, e como se fosse um adeus, olhava o rio que nos acompanhava por largos quilómetros. Pachorrento e preguiçoso que ia a caminho do mar, levando mensagens secretas da minha imaginação. Como dizia José Saramago, in Memorial do Convento: Olhaste-me por dentro.

Este é o espírito do Andar, levar a conhecer, os locais míticos deste Portugal, ainda português, e mostrar as culturas e costumes de outras regiões. Numa próxima, outra zona vai ser descoberta ou revisitada, e a participação de todos é sempre importante. Um bem-haja.

 

Agostinho Santos (Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.)

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