• fisgasFisgas de Ermelo
  • O médico perguntou:
  • - O que sentes?
  • E eu respondo:
  • -Sinto longuras doutor. Sinto distâncias.
  • O psicanalista afaga a grisalha barba e após alguns segundos de silêncio, surge a resposta.
  • - Analisando a o seu comportamento e achando a solução mais adequada para a resolução do problema, aconselho a inscrever-se numa das caminhadas do Andar.
  • - Mas como doutor, se nestes últimos meses a metrologia tem-nos dado água pelas barbas.
  • - Não desespere, tem aqui, o contacto do mais alto dignitário para as questões da metrologia.
  • - Obrigado doutor. Parti, apertando aquele pedaço de papel como se fosse à resposta para a salvação da raça humana.
  • Após longas negociações com a mais alta individualidade do tempo, finalmente se chegou a um acordo, senão histórico não ficará muito longe disso. É certo que as esfoladelas nos joelhos iam deixar marcas. Bom, promessas são promessas e não é para se quebrar. 
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  • O ANDAR definiu este percurso, tendo também em conta, que foi uma das 21 finalistas das 7 Maravilhas de Portugal, e ao qual o andar não é alheio a proporcionar o conhecimento a quem o procura. Desde já acho que foi uma escolha acertada. A caminhada tem como protagonista as Fisgas de Ermelo. O desnível desta cascata, prolonga-se por 200 metros cavados ao longo de milénios pelas águas do rio Olo, que nasce e, pleno Parque Natural do Alvão, local onde nos encontramos. Trata-se de um trilho muito interessante com alguns desníveis acentuados. Como pontos de interesse destaco: Aldeia do Varzigueto, Fojo, Rio Olo e Fisgas de Ermelo.
  • Naquele sábado, a manhã estava invulgarmente fria, e pairava no ar os cheiros da primavera. Depois de sairmos, longe da confusão citadina, mas mais próximos do silêncio, o olhar percorre as serras que se fundem no céu azul. O autocarro percorria as vielas da aldeia de Ermelo, sombria e semidesértica. A estrada estreita era ladeada por casas apertadas e negras e cobertas por pedras ainda mais negras. Os espaços livres deixados pelas casas, dava origem à estrada que fazia curvas e entortava de uma forma natural. Ladeando as estradas às árvores marrons e ainda nuas pareciam indiferentes aos olhos que as miravam e sem pudor esperavam a nova vestimenta verde que o alfaiate natureza preparava.
  • Depois de um sem número de ais e de não passa, o autocarro suspira de alívio ao fazer a ultima curva e de colocar os olhos na aldeia de Varzigueto.
  • Varzigueto encontrava-se anormalmente sossegada: as ruas estavam quase desertas, as casas fechadas, todo o comércio estava numa paralisia quase total. A nova estação ainda não tinha começado. Não era de entranhar na região, ainda o frio e a humidade se fazer sentir, uma vez que o rio atraia precipitações com a sua humidade. A vegetação, verde e escura, densa, prosperava em redor do curso de água e, com o calor que começava a apertar, tudo certamente iria crescer com extraordinária rapidez dando lugar a folhas viçosas e tenras. O horizonte transformado numa tapeçaria de verde mesclado de cinza azulado que se fundia num azul carregado e vivo e de onde em onde um herbívoro pastava pachorrento. Os caminhos que não eram intensamente transitados desapareciam sob a exuberância da natureza e os esforçados camponeses tinham que estar atentos às ervas que ameaçavam apoderar-se dos campos e caminhos.
  • As folhas tenras dos carvalhos emitiam um brilho verde dourado, num deslumbramento de esplendor ao primeiro raio de sol da manhã que se prolongava ate o sol tomar o seu posto altaneiro sobre as nossas cabeças. As sombras alongavam-se elásticas sobre o chão pedregoso, onde as nossas pegadas ficavam cravadas até uma suave brisa as espalhar pelos confins da poeira e ai ficarem esquecidas para sempre.
  • A luz crescia em redor. O silêncio percorria cada espaço e os movimentos amorteciam-se no chão pedregoso. O olhar internou-se num mundo diferente do habitual, e nos últimos tempos, aumentava a apaziguava a ansiedade. Mas naquela manha era diferente; a única coisa que queria era ouvir o silêncio e tagarelar com a liberdade. Esse, silencio que era quebrado pelo borbulhar da água que corria rio abaixo e se precipitava no abismo. Mas a minha volta tudo estava em silêncio. Não o silencio no verdadeiro sentido da palavra, aquele silêncio que o coração ouve.
  • Quando falo em silêncio, não estou esquecendo os cerca de cinquentas alegres e bem-dispostos caminheiros, que com os seus passos juntaram-se aos meus naquela manhã. A azáfama naquela manha resplandecente era inundada pelo canto das aves. Sentindo ameaça da nossa presença ou mesmo querendo chamar atenção eram eles que quebravam o silêncio naquela manha de sábado, 15 de março do ano da graça de 2014. Os nossos passos dirigiam-se para fora da aldeia, tomando agora um caminho calcorreado por pastores, que acompanham os seus rebanhos pelas escarpas xistosas das fisgas. O Olhar perde-se no rio multicolor, que corre, espalhando cores, esmeralda, azuis, brancos ou todas as que a vista possa ver.
  • Chegamos a uma encruzilhada, onde o horizonte transformado numa tapeçaria de verde mesclado de uma cinza azulado que se fundia num azul carregado e vivo e o caminho desaparece parece fundir-se na paisagem. Diante de nós, o imponente monte farinha ou mais conhecido por senhora da graça. No horizonte rasgam-se os corta-fogos pintados de ocre, na pele verde vincando como cicatrizem. Ao redor, respira-se paz, harmonia e amizade. O corpo quente liberta os seus fluidos, que percorre lentamente a pele morena. Ainda abalados pelo deslumbre da paisagem, começamos a descer. O caminho descendente revelou-se um íngreme trilho pedregoso escondido no interior da vegetação rasteira. A maior parte era natural, mas aqui e ali tinham sido esculpidos pela natureza e a atenção tinha que ser redobrada.
  • O nosso destino, chamava-se Fojo. Uma casa do guarda-florestal abandonada, uma capela e um parque de merendas era tudo o que fazia parte desse local. Certamente, que em tempos áureo este local fervilhava de vida, na preocupação em manter este local limpo e lhe dar outra dignidade. Este problema já eu tinha frisado na crónica Travessia entre Covide e Caldas dos Gerês. Era assim descrito: “ (PNPG) existem cerca de 30 casas florestais construídos nos tempos dos Serviços Florestais e que serviram de residência aos antigos guardas florestais responsáveis por determinadas áreas no perímetro florestal das quatro serras que compõem o PNPG. As antigas Casas do Guarda (Casas da Floresta, Casas Abrigo ou Casas Florestais) dentro do território do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Representam um património perdido (em alguns casos para sempre) e totalmente desperdiçado que nas mãos das populações, associações locais ou outras, poderiam constituir uma mais-valia para a região. Quem governa decidiu que era melhor deixá-las como «belas» ruínas...Não sei, como se desenrolou o processo de abandono destas casas não só no PNPG como em todo o país. O que é certo é que existe um valioso património que foi deixado ao abandono e somente uma pequena percentagem terá sido reaproveitada. O que se encontra no território do PNPG é o reflexo do abandono de um património que já não nos espanta. Sem dúvida havendo muitos interessados na recuperação das casas, surgirão sempre os habituais interesses pessoais, corporativos ou outros para impedir que um património se perca para sempre. Em muitos dos casos já não haverá recuperação possível”. Não vou aqui deixar um alerta desesperado para a sua recuperação, porque estou certo que outros houve antes de mim que o já fizeram. Um ponto de apoio a quem visita às fisgas era bem-vindo. É só uma sugestão.
  • Depois de olhar para estas ruínas, deu-me fome. Parece que não foi o único, e foi precisamente isso que fizemos. As escassas mesas que disponhamos foram suficientes para nos acomodarmos e ai lanchar e divertirmo-nos. O tempo passa sem que disso déssemos conta e não tardou estarmos de novo a trilhar. Desta vez não foi à poeira ou o terreno pedregoso que sustentava os nossos passos, mas sim o alcatrão escaldante agora, que o sol estava alto, o tempo estava mais quente naquela hora do dia. As escassas centenas de metros que nos separavam da próxima paragem valiam bem o esforço. O pequeno parque de estacionamento estava semidesértico, mas de repente foi sobrelotado com estes caminheiros desejosos de ver as Fisgas na sua máxima amplitude. Paredes abruptas de rocha, carcomida por séculos de vento e borrifos da água, criaram desfiladeiros que estrangulam o espaço criando um vale que aperta o rio de ambos os lados. Em alguns pontos tinha tomado formas fantásticas. Vertentes assombradas e profundas. Desde os tempos antigos até à atualidade, a água tem labutado, diária e afincadamente, ante as maiores adversidades para percorrer o seu curso. Quando o sopro divino separou as águas primordiais, as nuvens, o orvalho e chuva pareceram como bênçãos. Porque a água recebida pela terra é fonte de vida. Representa o infinito dos possíveis, as promessas de desenvolvimento e fonte de vida. As vertentes eras cortadas a pique para lá da borda do penhasco e sombras negras rastejavam pela parede de rocha. Tudo é diferente, com suas montanhas e cascatas, seus altos prados e vales escuros, no entanto, o lugar tinha a sua própria beleza. Tínhamos subido a uma altura suficiente para ver a léguas no horizonte. A pessoa humana perante tal grandeza fica reduzida a um insignificante ser pensador, mas minúsculo aos olhos de deus. Depois de admirarmos a grandeza da perfeição divina, é chegada novamente a hora de partir. As poucas nuvens deslizavam no céu, umas mais claras, outras mais escuras, não havia vento e o calor era abrasador. Os caminhos trilhados não foram, efetivamente, fáceis. O avanço era muito mais lento que noutros locais e ziguezagueando de um lado para o outro por entre os arbustos e plantas espontâneas, que galhos raspavam nos braços, pernas e arranhavam e magoavam. Estes últimos metros da subida revelaram-se ser os mais íngremes e traiçoeiros. Pedrinhas soltas rolavam por baixo dos pés e caíam aos saltinhos pelo caminho pedregoso que tinham deixado para trás. Chegamos finalmente ao trilho. Agora os sorrisos tinham voltado e as faces coradas do esforço lentamente recuperavam a sua cor natural.
  • Entramos novamente no trilho largo, que já anteriormente tínhamos calcorreado e ao longe já escutávamos o som apaziguador as águas do rio Olo.
  • Os pinheiros erguiam-se a toda a volta, altas lanças vestidas de verdes lançadas para o céu. O chão da floresta era um tapete de agulhas caídas, coberto com algumas pinhas. Era reconfortante aquele som, sinónimo de paz, tranquilidade e vida. Entre os pinheiros o sol estava meio escondido e era menos agreste. Árvores, bosques, montanhas, pedras e rios são ambientes inspiradores para o homem poder entrar em comunhão com a divindade, e em Portugal, existem locais propícios. O nosso trilho investe em direção ao rio Olo. Daqui para frente não há mais estrada, só o ribeiro e trilhos de cabras, mas o desconhecido muitas vezes surpreende-nos. Fantástico... A água cristalina e pura é um convite a mergulhar os pés nessa maravilha da natureza. Essa era a nossa intenção, atravessar o rio, retirando as botas e sentindo a frescura da água acariciando a pele cansada. A corrente não proporcionou esse encanto, uma vez que era forte e não havia necessidade de arriscar. Talvez numa próxima.
  • Percorremos a margem do rio até encontrar um ponto para fazermos a travessia. O piso era constituído por pedras de granito que o tempo se encarregou de poli-las.
  • Um percurso através do tempo, que nos permite contemplar um sem número de pedras de diversos tamanhos e feitios. O encanto de ver uma pedra mergulhada na água e de onde um sem número de seres vivos fez o seu habitat. As águas claras refletem a luz. Com um pouco de imaginação e paciência, vislumbrasse pinturas de grandes nomes mundiais.
  • Não houve necessidade de andar muito até encontrar uma travessia segura e seca. É bom lembrar que era usada para os caprídeos e o seu pastor. Não foram feitos cálculos para um tão grande número de pessoas, mas na ausência do nosso já desaparecido Edgar Cardoso, dir-se-ia que mais depressa cai o governo do que a ponte. Bom, retomando o nosso trilho, que já se encontra nas fraldas da aldeia de Varzigueto. Entramos na aldeia. Não houve um critério a seguir, e foram escolhidos diversos caminhos. O nosso objetivo era chegar ao autocarro que se encontrava no ponto de partida.
  • Falando agora um pouco da aldeia, que nos acolheu nesse dia depois de percorridos os cerca de 6000 metros. Varzigueto é uma aldeia como muitas outras que se escondem por essas serras perdidas e desconhecidas do nosso Portugal. As casas que na sua construção predominam o aparelho irregular, de pequenas pedras, em geral construídas com ardósia e xisto. Como em todas as aldeias serranas do país, tendem a desaparecer. O envelhecimento da população é um fator importante, e com ela, as habitações. Nos anos mais recentes há um recuperar de algumas aldeias, mais nas zonas onde o acesso ainda é possível e o turismo pode prosperar, falo em especial no caso das aldeias do parque natural da serra do Alvão. Há um mundo para descobrir, na beleza imaculada do Parque Natural do Alvão, uma área protegida que se estende por dois territórios distintos: uma zona montanhosa frequentemente coberta de neve e uma zona basáltica de vales fluviais. Entre as espécies raras presentes no parque contam-se o lobo e a águia-real, bem como uma enorme diversidade de árvores e plantas. Há inúmeros cursos de água com quedas de água, aldeias tradicionais ou simplesmente admirar a paisagem virgem que se estende para além do olhar.
  • Foi espetacular! Adoro-te Portugal porque ainda tens tesouros por descobrir e os que já foram descobertos ainda estão bem conservados.
  • Bom, retomando a nossa viagem, agora no autocarro de regresso. Tomamos a direção de Mondim de Basto e desta para Amarante, já nossa conhecida de outras alturas. Em Amarante cada um pode escolher a melhor forma de descomprimir, passar pelas ruas com história, visitar os imensos tascos e tasquinhas existentes ou simplesmente refrescar-se no sol vespertino junto ao rio Tâmega. Um sem número de opções. Visitar a capela de S. Gonçalo ou percorrer a ponte que ficou celebre nas invasões francesas, foram opções para mim. Houvera outros que preferiram refrescar as gargantas com malte e petiscar uma pata de porco fumado. No fim de tudo o convívio é o mais importante. Este é o espírito do Andar, levar a conhecer, os locais míticos deste Portugal, ainda português, e mostrar as culturas e costumes de outras regiões. Numa próxima, outra zona vai ser descoberta ou revisitada, e a participação de todos é sempre importante. Um bem-haja.
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  • Agostinho santos (Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.)
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