2rios2mosteiroPR2 - Dois Rios, Dois Mosteiros

  • Na narrativa deste trilho, as personagens do enredo são os caminheiros, personificados por flores com fragrâncias intensas que desabrocham na imensidão da natureza e se misturam em jardins onde predominam o jasmim, a glicínia e outras plantas que nem sei o nome. A luz, que ilumina este palco, dá o seu brilho emprestado pelo sol e converte em vida este jardim, e toda a mãe natureza. Este jardim convida a reflexão e aos momentos de convívio.
  • A luz pálida é refletida nos espelhos de água, e a paisagem convida o nosso olhar, e podemos admira-la e enaltece-la com poesia e lamenta-la com melancolia e admirar a maravilha deste planeta que o ferimos todos os dias. O perfume das flores é ilusório e passageiro. A cor é irrelevante até a mais incendiarias tonalidades de vermelho e laranja se transformam em tons pálidos pela ausência da luz.
  • Se um jardim é uma tentativa de conquista da paz, então os nossos anseios talvez sejam recompensados perante a sombra fresca das arvores...É melhor ficarmo-nos pela imaginação e entrarmos no nosso trilho.
  • É desse trilho que vou falar, que nos levou ao concelho de Marco de Canaveses: ao PR2 - Dois Rios, Dois Mosteiros. O nome promete grandes aventuras pelos claustros e pelos sons envolventes em canto gregoriano. Uma vez mais aproveitei a oportunidade para percorrer além do trilho in loco, reavivar um pouco a historia e dar asas a minha imaginação. Como se apresenta no folheto dois rios, dois mosteiros, e são eles os rios Tâmega e Douro, bem como os Mosteiros de Santa Maria e o de S. João de Alpendorada.
  • Após algum tempo percorrendo as estradas que nos iam levar ao início do nosso trilho, mais propriamente falando a Vila Boa do Bispo, é ai que se encontra o Mosteiro de Santa Maria. As nossas descobertas confirmam a importância da boa presença deste mosteiro nesta região e o nosso trilho começa aqui, onde todos os sentidos se misturam e apuram.
  • Apeamo-nos e carregamos os nossos haveres as costas. A nossa curiosidade é tanta que nos embrenhamos pelos jardins do mosteiro em busca do desconhecido. Depressa nos confrontamos com jardins muito bem arranjados e conservados, e aos nossos olhos surge uma estátua de um cavaleiro que empunhando a espada olha o horizonte.
  • Os jardins decorados de forma singela, ressalta ao olhar, os pequenos lagos e chafariz de águas translúcidas e povoados por pequenos peixes Koi. Koi é a palavra japonesa que descreve a carpa, tanto a carpa selvagem como as recentes variedades coloridas, contudo a palavra preferida no Japão para descrever as carpas coloridas é Nishikigoi. “Nishild” significa uma peça de roupa cara e multicolorida.
  • Nos países orientais as Carpas Koi são consideradas por tradição como sinal de sorte. Devido ao significado da palavra Koi no Japão as Carpas são símbolos de amizade e amor.
  • A carpa comum preta (Cyprinus carpio) espalhada durante séculos pela Eurásia foi transportada há mais de 2000 anos para o Oriente, onde foi utilizada como uma fonte de alimento. Os agricultores japoneses mantinham as carpas nos seus tanques, para assim complementar a sua dieta de arroz e vegetais. Não creio que estas carpas aqui existentes tivessem essa finalidade, alimentação dos frades no mosteiro, mas sim como elemento decorativo. O contraste que existe entre as cores vivas e garridas dos peixes com o verde do fundo dos lagos é uma combinação prefeita. Mais do que um ambiente prefeito era a paz que nos envolvia naquele espaço. A conjugação do sol, o verde e o gorgolhar da água precipitando-se do alto do chafariz é um convite a ficar.
  • Mais uma vez surge na minha cabeça uma questão: que faz aquela estátua do cavaleiro naquele local? Metade desta resposta estava numa placa de bronze que se encontrava junto a estátua. Assim se podia ler “Homenagem a D. Afonso Henriques deu nome a Portugal e couto a Vila Boa do Bispo em 1141”. Aqui já temos pistas para poder investigar um pouco mais este local. Basculhando um pouco a historia escrita por quem antes de mim o fez e estou certo que o aqui fica escrito possa alargar não só os meus conhecimentos como os vossos. Assim sendo, passo a fundação do mosteiro de Vila Boa do Bispo. O Mosteiro de Santa Maria de Vila Boa do Bispo era masculino, situava-se no termo do extinto concelho de Bemviver, pertencia à bispado do Porto, aos Cónegos Regulares de Santo Agostinho até ser unido à Congregação de Santa Cruz de Coimbra. A sua fundação é atribuída ao bispo D. Sisnando, irmão de D. Mónio Viegas, entre 990 e 1022. A referência documental mais antiga remonta a 1079. Reza a historia que segundo a tradição, a casa monacal foi fundada, no lugar onde terá decorrido a legendária batalha entre cristãos e muçulmanos durante a batalha de Valboa, na qual conquistou aos mouros o castelo de Monte de Arados, como refere a Crónica dos cónegos agostinianos.
  • O Mosteiro teve como primeiro abade D. Rosardo, um francês ligado a D. Mónio. Desde as suas origens que este Mosteiro se liga à linhagem dos Gascos de Ribadouro, família nobre que alcançou grande influência na época. Senhores de um grande número de mosteiros estrategicamente posicionados ao longo dos afluentes do Douro, em ambas as margens e nos percursos da reconquista, estes senhores controlavam assim uma ampla área geográfica a norte e a sul desse rio. Os Ribadouro eram considerados uma das famílias mais importantes do Tâmega e Sousa no período medieval. Para percebermos a importância desta família é importante mencionar o parentesco destes antepassados com D. Sisnando, bispo do Porto, que, segundo a tradição, terá sido sepultado no Mosteiro de Vila Boa do Bispo, no Marco de Canaveses.
  • A documentação comprova a sua vontade em adquirir poderes através dos mosteiros da região, que haviam sido fundados por humildes monges ou por comunidades de homens livres, e dos quais se apropriaram com o objetivo de fortalecerem os seus poderes civis e militares. Alguns mosteiros foram fundados pelos seus antepassados, como é o caso do Mosteiro do Salvador de Paço de Sousa, em Penafiel. De outro património religioso apoderam-se por doação dos próprios monges. Também pretenderam tornar-se patronos do Mosteiro de Soalhães, mas a comunidade, protegida por homens livres do lugar, não deixou que tal acontecesse. Já em meados do século XII, Egas Moniz, o Aio de D. Afonso Henriques, juntamente com a sua segunda mulher, D. Teresa Afonso, fundou o Mosteiro de Tuías, também na margem esquerda do Tâmega. Dotados de uma enorme capacidade de expansão, os Ribadouro interessaram-se pelo território a sul das margens do Douro. Aqui, um dos seus ramos aproxima-se do Mosteiro de Arouca. Alguns documentos atribuem a esta família a fundação do Mosteiro de Cárquere, no entanto, não será verdade. Já depois da morte de Egas Moniz, a sua viúva, D. Teresa Afonso, funda o Mosteiro de Salzedas. Com esta rede de casas religiosas, que se localizam entre as margens do Sousa e das montanhas do Vouga até ao vale do Varosa, mas que tem a sua maior densidade entre Douro e Tâmega, era de esperar que as propriedades de domínio dos Ribadouro se situassem na mesma zona. Na verdade, os domínios de Egas Moniz, o Aio, transbordam desta área.
  • As propriedades de Egas Moniz dispersaram-se devido às partilhas hereditárias. Os seus filhos deslocaram o centro da família para fora do Entre o Douro e Minho. De aludir que o território em causa apresentava condições favoráveis à vida monástica: acidentado, era pouco frequentado por viajantes e fora recentemente arroteado e repovoado por uma população que, nos séculos seguintes, se mostrou bem enraizada. Durante algum tempo, identificam-se membros da estirpe dos Gascos, diretos descendentes deles, na posse de haveres em Vila Boa do Bispo ou no território da atual freguesia. Bom, o mosteiro beneditino de Cucujães também teve este nome como sendo o seu fundador, o que parece não ser verdade. Continuando a nossa história.
  • Moninho Viegas, o Gasco (ou Mónio) Viegas comandou a armada dos Gascões que, em data mediada entre os finais do século X e inícios do XI, libertou a cidade do Porto da ocupação moura. Acompanharam-no no seu empreendimento, os seus irmãos D. Nonego e D. Sesnando, que depois foram bispos do Porto. Também se deveu a Moninho Viegas a conquista da terra de Santa Maria da Feira ao Mouros. Este casou com D. Valida Tracozendes, filha de Truycozendo Guedes, fundador do Mosteiro de Paço de Sousa. Moninho Viegas, era trisavô de Egas Moniz, o Aio. Este Gascão, que se encontra sepultado no Mosteiro de Santa Maria de Vila Boa do Bispo, fundado segundo a tradição pelo seu irmão D. Sisnando, terá sido dos primeiros, com o auxílio dos seus irmãos, a dar início à restauração de Portugal contra os Mouros. Referido na documentação dos séculos XI e XII como Mosteiro de Santa Maria de Vila Boa.
  • A sua importância foi tal que chegou a receber carta de couto de D. Afonso Henriques em 1141 e foram-lhe concedidos privilégios especiais pelos pontífices da época: os priores do Mosteiro podiam usar mitra (Breve de Lúcio II, 1144) e receberam a distinção do uso do báculo (Bula de Anastácio IV, 1153).
  • Nos séculos XIII e XIV era um dos mais ricos e poderosos Mosteiros da região. No século XVI passou para a gestão dos Comendadores e na centúria seguinte as Crónicas enalteciam de forma laudatória a importância da lenda que se liga à fundação desta casa monástica. É, pois, neste contexto que a Igreja românica vestiu uma nova roupagem. Conforme indicam as várias cartelas estrategicamente colocadas no interior do edifício, as principais transformações ocorreram entre 1599 e 1686.
  • A Igreja do Mosteiro de Vila Boa do Bispo tem planta longitudinal, de nave única, capela-mor profunda, com sacristia adossada a norte. Tem torre sineira quadrangular adossada a sul.
  • É na frontaria da Igreja que encontramos os elementos mais originais da época românica. Embora incompletas, as duas arcadas cegas que ladeiam o portal principal, totalmente transformado durante a Época Moderna
  • O que resta do edifício articula-se em torno de claustro quadrangular de dois pisos (separados entre si por uma cornija, com parapeito saliente sob as janelas do piso superior), com alas abertas para a quadra através de arcos de volta perfeita assentes em pilares; o segundo piso eleva-se no prolongamento vertical destes vãos e é rasgado por janelas retangulares sobre as enjuntas dos arcos; a quadra central é ajardinada e possui chafariz ao centro.
  • Segundo as crónicas, foi a sensivelmente a cerca de uma légua do atual Mosteiro que o bispo D. Sisnando, há algum tempo recolhido no Mosteiro de Santa Maria, fora surpreendido pelos mouros numa ermida quando celebrava Missa. Assassinado pelos infiéis, teria sido enterrado pelos monges do cenóbio debaixo do altar. O bispo do Porto, D. Pedro Rabaldes, tendo ouvido falar dos milagres que se operavam junto da sepultura de D. Sisnando, visitou-a em 1142. Perante o estado lastimoso da capela que encontrou, mandou transferir o corpo do bispo martirizado para Vila Boa. No entanto, foi graças às crónicas do século XVII que se começa a usar o epíteto "do Bispo". O local é calmo e daqui podemos avistar uma bela vista sobre o Mosteiro de Santa Maria e arredores. Em 1012 há documentos onde se refere o Monasterio S. Mariae Villaebonae.
  • Depois desta descrição facilmente depreendo a importância que esta família teve no início e antes da nacionalidade. A “facilidade” com que apoiavam D. Afonso Henriques naturalmente que caíram nas suas boas graças e dando-lhe o privilégio de Couto, o que fazia deles ainda mais ricos e poderosos. A história é mesmo assim, hoje estando eu a acompanhar uma serie televisiva “os pilares da terra” facilmente compreendo isto.
  • Hoje este mosteiro faz parte da Rota do Românico.
  • Ainda não falei nada do trilho. É no exterior do mosteiro mais propriamente fora dos seus muros que encontramos a primeira referência ao trilho: o painel informativo que se encontra mesmo ao lado do coreto.
  • A partir daqui iniciamos o nosso percurso que está sinalizado conforme as normas internacionais. O trilho sobe pela avenida de acesso ao mosteiro em direção ao cruzeiro que se encontra no cimo junto a uma estrada (N320). Depois de atravessamos a estrada seguimos em direção ao Outeiro. Não muito longe do Mosteiro, existia uma ermida da invocação de Santo António, fundada pelo cónego Gonçalo Martins, tem data canónica por averiguar, embora se saiba que é de fundação anterior a 1538, devido aos registos do Censos do Bispado, referido por D. Frei Baltazar Limpo, é possível que essa ermida seja esta capela de Santo António que fica no nosso trilho.
  • A Capela é de devoção ao Santo António, o chamado «advogado do nosso gadinho e das nossas coisinhas todas», pois tem a fama de ajudar toda a população com os seus milagres. O acesso à capela é feito por uma escadaria em granito que termina num espaço murado de onde se destaca a capela. De construção simples e com um adro amplo suportado por colunas de granito, o qual protege da chuva e do sol, além de ter capacidade para mais alguns fiéis. É muito conhecido por nós, este tipo de construção, de onde já usufruímos da sua proteção por diversas vezes durante o nosso percurso do caminho de Santiago.
  • Deixamos a capela para trás e embrenhamo-nos numa zona de campos agrícolas onde reinava um ambiente bucólico. Ora campos, ora floresta, e esta era bem-vinda neste sábado 20 de abril, dia quente, acompanhado por ventos frios. As zonas florestadas foram sempre bem-vindas, apesar de calcorrearmos algumas vezes por estradões de calçada portuguesa, ou não estaríamos numa zona de granito. O percurso continua, até chegarmos a uma zona onde o barulho da água nos chama atenção. Era a ribeira de Golas. As águas desciam em cascata precipitando-se pelas vertentes rochosa em direção ao Tâmega que não longe dali corria pachorrento. Deu para tirar algumas fotos, que confesso não terem sido das melhores. Não vou atribuir as culpas ao fotógrafo mas sim ao cheiro nauseabundo que saía de umas condutas sem tampa. Bom, não era este pequeno incidente que ia desfazer a beleza do trilho. Este é o ponto em que nos encontramos mais próximos do rio Tâmega. Vindo de Espanha, o Tâmega entra em Portugal próximo de Chaves. Corre por entre as Serras do Barroso e a do Alvão. Faz a fronteira entre o Minho e Trás-os-Montes. Afluente da margem direita do rio Douro. O rio Tâmega (Tâmega em galego) é um rio internacional, que nasce na Serra de San Mamede, província de Ourense, (Galiza, Espanha) e desagua em Entre-os-Rios no Rio Douro.
  • Continuamos, e desta vez há um aumento gradual de habitações, o que nos leva a crer que nos aproximamos de um núcleo rural. Dou por certo essa suspeita, por experiência própria. Esse núcleo é Favões. Não tardamos a chegar a um espaço muito bem arranjadinho de onde se destaca uma igreja e um edifico moderno a seu lado. Circulamos ao redor da igreja e na sua traseira, há um miradouro magnífico sobre o Tâmega e as povoações vizinhas.
  • Não muito longe dali um cruzeiro que foi suporte para uma sessão fotográfica. O dia estava quente, mas, uma fonte ali com azulejos a decorar além de ter um pormenor curioso, dava para matar a sede. Não nos demoramos muito e uma vez mais estávamos atravessar uma estrada nacional (1267). Embridámos por um caminho que parecia levar a casa de um habitante local, e uma vez mais seguimos por caminhos rurais que parecem levar as hortas.
  • É nesta fase do percurso que se dá um pequeno episodio comigo, dai ter começado esta descrição chamando os caminheiros de flores. Durante o trilho varia vezes passamos em locais onde umas flores lilás deixavam o ar impregnado por um aroma agradável. Hoje sei que flor é essa, e em boa hora me disseram o nome: glicínias. Traz-me recordações da infância. As Glicínias estão no auge da sua beleza, lembro-me delas desde criança. Achava muito bonitos aqueles enormes cachos de flores azuis, habitualmente pendurados ou debruçados sobre os gradeamentos de jardins. No início da primavera, ela se "veste" de lindos cachos de flores. As Glicínias significam "Ternura", são elegantes trepadeiras de grande valor ornamental, com inflorescências longas, pendulares, carregadas de numerosas flores e suavemente perfumadas. Esta foi a segunda flor que encontrei nesse dia.
  • Mais caminhos rurais acompanhados de paisagens típicas. O núcleo urbano misturasse com a paisagem e não tardamos a encontrar novamente uma capela: Stª Eulália. Aqui as obras em redor da mesma estão em pleno curso e saltitando de pedra em pedra lá passamos esse amontoado de granito, da região, para seguimos o nosso trilho. A capela de santa Eulália é pequena e como é natural de granito. É mais um dos locais de culto existente nesta freguesia. Avançamos por um apertado caminho que parecia levar-nos para um qualquer quintal ou horta. Mas fomos progredindo no terreno e não tardou estarmos junto a igreja de Ariz. Uma paragem mais longa, para reagrupar, antes de lançarmo-nos a ascensão do ponto mais elevado do nosso trilho. Eis que surge o padeiro. Por sorte deste, que naquele dia encontrou este grupo esfomeado e que lhe deu asas ao negócio. Não foi tudo, pouco faltou.
  • Em frente de nós a igreja de Ariz. Ladeada pelo cemitério local e um imenso espaço com árvores que proporcionam sombra no verão. O pormenor do cruzeiro talhado chama atenção de qualquer um que repare nele. Uma obra que retrata a via-sacra e a paixão de Cristo. Depois de reunir o grupo e recuperar as forças partimos. Pouco depois o caminho abandona o núcleo urbano, deixando-se levar para uma zona florestal, com caminhos tradicionais e que sobe serra acima. A vegetação está renovada, marcas de fogo foram deixadas para trás a relativamente pouco tempo, o eucaliptal cresce em força. A nossa frente uma subida e olhando para trás, a vista para o vale do rio Tâmega. O percurso continua a subir por calçada muito bem definida e empedrada.
  • Contornámos o monte e chegamos ao cume da serra de Santiago. Aqui o marco geodésico marca o ponto mais alto e finalmente conseguimos o alcançar. Daqui avistamos o Douro pela 1ª vez. Estamos a (480 m). Rio Douro, um dos maiores rios da Península Ibérica, nasce em Espanha, na serra de Urbião.
  • Depois de ter atravessado o extenso planalto de Castela-a-Velha, e com um curso bastante regularizado até Samora, depois serve de fronteira entre Portugal e Espanha numa extensão de 122 quilómetros. Em Barca de Alva, entra em Portugal. O curso é agora mais regularizado, navegável, mas continuando o rio a correr por um vale apertado até à foz, no oceano Atlântico, junto da cidade do Porto.
  • Tem numerosos afluentes em território nacional, sendo aqui que o Tâmega encontra o Douro. É nos terraços do vale do Douro superior, em acentuados declives talhados no xisto, que se cultivam as vinhas de cujas uvas se fabrica o vinho do Porto. Quantas vezes deste ponto se avistam os barcos rebelos carregados com pipas deste precioso néctar Do lado oposto, vemos a zona de Alpendorada e a barragem de Torrão (rio Tâmega)., um aproveitamento hidroelétrico.
  • Hoje esta albufeira no cais de Vitetos é forte a nível do turismo, que por natureza é a porta principal do turismo que aprecia o Douro através de grandes embarcações, que fazem do caís paragem obrigatória não só estratégica como logística como já é possível atracar barcos, recebem frequentemente provas de motonáutica, Canoagem e ski aquática.
  • Neste local existe um castro: o Castro de Arados. Da civilização castreja, Arados ganha relevo no sul do concelho. Dita a divisão de Alpendorada, Ariz e Magrelos. Outros castros da região são avistados de Arados. Os castros de Arados e de Quires continuariam a ter vida própria sob a jurisdição da “capital” que o romano do séc. I instala em Tongobriga, que surgiria como o novo mercado acessível para muitos povoados castrejos da região. Os castros de Quires, Arados e Santa Marinha do Zêzere (Baião) são abandonados gradualmente para as terras cultas dos sopés dos respetivos montes, a partir do século II. Nas plataformas interiores de Arados, encontram-se amontoados de pedra solta das ruínas de construções e das próprias muralhas; há vestígios de construção de planta circular e retangular. Fora das muralhas, as encostas do monte garantiriam a pastorícia e o abastecimento de madeira. Seria aqui o castelo de Arados, a que a lenda refere que D. Nomio conquistou aos mouros?
  • Olhando o curso do rio encaixado nos vales profundos e imaginando histórias que por ele passaram, acerca-se da minha memória Tongóbriga. Ouço falar deste povoado romano existente aqui. A julgar pelos vestígios arqueológicos encontrados no território do atual concelho de Marco de Canaveses, este foi povoado desde o período do Neolítico. Mais tarde, recebeu a presença do povo romano, que também deixou fortes marcas da sua passagem, nomeadamente as termas, o fórum, as zonas habitacionais e uma necrópole da povoação de Tongóbriga. Onde se situa? É esta a questão que coloco. Desvendando um pouco este mistério. Hoje sei que não muito longe da zona por onde os nossos pés pisaram fica Tongóbriga (Freixo - Marco de Canaveses). Há uma via romana que partia de Bracara Augusta (Braga) e se dirigia a Tongobriga. Este corresponde a um dos possíveis itinerários, que unia Oculis (Vizela) e as proximidades da cidade romana de Tongobriga, que, genericamente, equivale ao tramo final do referido itinerário. Colocava em contacto dois importantes núcleos urbanos romanos - Oculis e Tongobriga, núcleos, estes que terão por certo exercido influência a vários níveis no território. Neste tramo estão documentados dois marcos miliários, ambos encontrados em Marco de Canaveses, concretamente em Tuías e um outro surgido no Freixo, datado do séc. III-IV d.C. Trata-se, deste modo, de dois marcadores da milia passuum que atestam, por si, a importância conferida a este eixo, o que possibilita anuir estarmos perante uma provável via de classificação principal ou secundária de relevo no plano viário romano regional. Não me vou alongar muito neste tema, porque quem sabe numa próxima vez, tenhamos a sorte de visitar Tongóbriga.
  • Deixamos o monte de Santiago e descemos para o vale do Douro. A paisagem continua por zonas de montanha, mesmo sendo relativamente baixa, há bastantes afloramentos graníticos. Já tínhamos percorrido algumas centenas de metros e penetrado a sombra, quando fizemos uma pausa para almoço. Por alguns minutos, descansamos e ingerimos algum alimento. A sombra era convidativa e pela frente tínhamos ainda algum tempo de trilho. O sol colocava-se sobre as nossas cabeças.
  • Um dos momentos altos no meu ponto de vista, foi quando surge um imenso bloco de granito, rachado ao meio e por onde saia uma arvore, mesmo que já tenha tido melhores dias. Até parece que a árvore abriu ao meio a pedra. E a casinha em frente à pedra, um encanto…o trilho alterna agora entre zonas rurais e florestais. Mais uma vez as glicínias fazem o encanto de quem passa e lançam o seu perfume.
  • Há nesta zona muitas explorações de pedreiras e por diversas vezes passamos junto a algumas ou ouvia-se os sons próximos em plena laboração. Mas, o nosso trilho alheio a tudo isto calcorreava caminhos antigos que desembocavam em largos estradões modernos. Aumenta o aglomerado urbano e adensa-se o movimento automóvel, resultante da aproximação de um grande núcleo urbano: Alpendorada e Matos. Deixamos para trás os trilhos e entramos num estradão em paralelo. Aqui chegados deparamo-nos com uma enorme muralha de blocos de pedra, deixa qualquer castelo ou fortaleza envergonhada. Confesso que a mim me chocou com esta torre da Babilónia. Com certeza que quem faz um cruzeiro no Douro questiona que castelo será aquele, que não aparece referenciado nos manuais de história? Por outro lado temos a primeira visão do Convento de Alpendorada. Aos seus pés, corre pachorrento o Douro, alheio a tudo isto.
  • Ainda temos um longo percurso pela frente e muito nos espera até chegarmos ao convento de Alpendorada. O sol quente, aquece as faces e uma paragem para repor os líquidos perdidos, vinha mesmo a calhar.
  • Passamos agora em frente ao cemitério, como está catalogado no património de Alpendorada e Matos existe por aqui uma Campa Medieval de Granito confesso que não a vi. Investiguei e a sua localização, e está num jardim público, quanto a sua história pouco se sabe. Há um monumento também simples, mas cuja história é rica: Memorial de Alpendorada, monumento Funerário, cujas origens remontam possivelmente ao século XII, insere-se num tipo de monumentos relacionados com atos fúnebres ou com intuito de perpetuar a memória de certa personalidade, exclusivos da arquitetura portuguesa e popularmente também designados como arcos, arquinhos ou memorias.
  • O Memorial de Alpendorada, erguido em granito, é constituído por uma base com duas fiadas bem aparelhadas, a que se sobrepõe um arco de volta perfeita, composto por dez aduelas lisas. O conjunto é encimado por uma cornija com dupla moldura horizontal saliente, a todo o comprimento, que suporta por sua vez uma cumeeira de duas águas de acentuado pendente, enquadrada num e noutro lado como que por duas caixas de secção hexagonal. Este arco apoia-se sobre uma base paralelepipédica maciça, com sapata, onde se abre uma dupla cavidade mortuária.
  • De destacar a longa espada, com cerca de 120 cm de comprimento, gravada nas pedras superiores do plinto que serve de base ao arco. O desenho da lâmina está de acordo com a tipologia comum aos séculos XI e XII, mostrando gumes paralelos e uma ponta pouco pronunciada denunciando, assim, uma função essencialmente cortante.
  • Há duas versões para atribuição do memorial. A tradição popular considera que este Memorial foi um dos locais onde parou ou repousou o cortejo fúnebre de Mafalda Sanches (c.1200-1256), filha de D. Sancho I e de D. Dulce de Aragão e neta de D. Afonso Henriques. Dada em casamento a Henrique I de Castela, que morre dois anos depois, regressa a Portugal para se recolher no Mosteiro de Arouca. Conta a lenda que D. Mafalda, devota da Nossa Senhora da Silva, na Sé do Porto, se deslocou em visita àquela imagem, acompanhada da sua comitiva, morrendo na viagem de regresso em Rio Tinto, a 1 de maio de 1256. Ainda segundo a mesma lenda, ao longo do percurso até Arouca foram erguidos memórias destinados ao pouso féretro da infanta.
  • No entanto, a presença de uma longa espada gravada, permite-nos considerar a possibilidade de estarmos perante um monumento funerário e memorativo de um membro da nobreza. De referir que os homens mortos em duelo estavam eclesiástica mente proibidos de serem sepultados em locais sagrados. Ou seja, a presença deste ícone caracterizador da nobreza, poderá indicar que o monumento é uma manifestação funerária de um indivíduo com uma certa importância social.
  • A minha opinião recai sobre a segunda hipótese. As bases com que me sustenho são a seguinte: A ligação de D. Mafalda à região do Tâmega e Sousa advém da confiança que o rei D. Sancho (seu pai) depositava na família dos Ribadouro, que dominam a Anegia (atuais concelhos do Marco e limítrofes), posição estratégica para a reconquista cristã, fundando ou controlando os mosteiros da região, é deste modo que entregam a educação da sua filha legítima a Urraca Viegas, uma das filhas de Egas Moniz. Como já anteriormente vimos a família dos Ribadouro, Patrona do Mosteiro de São Salvador de Tuías, no Marco de Canaveses, fundadores do mosteiro de Santa Maria de Vila Boa do Bispo e outros mosteiros em seu redor, e com poderes sobre o mosteiro de Alpendurada, à algumas centenas de metros deste memorial. Tendo sido aia de D. Mafalda, a quem educou como se fosse sua filha, naturalmente que os Ribadouro iriam fazer tudo para que D. Mafalda fica-se no mosteiro. E não num monumento a céu aberto. É deste modo que atribui o monumento ao nobre desconhecido.
  • A religiosidade deste povo, levou-o a construção de ermidas e capelas espalhadas por toda a povoação, como é o caso da Capela de S. Sebastião e de uma pequena e curiosa capela junto ao muro do cemitério. Estamos muito próximos do fim do nosso trilho. Antes de chegarmos ao convento de Alpendorada, ainda tivemos tempo para uma pausa num café, e recuperar as forças.
  • Chegamos a Igreja e mosteiro de S. João de Alpendorada. Hoje é um hotel.
  • O Mosteiro de São João Baptista de Pendorada era masculino, pertencia à Ordem e à Congregação de São Bento. Em 1059, foi fundado no lugar da Pendorada (antigo concelho de Benviver), provavelmente pelo monge Velino, no contexto da renovação da vida eclesiástica e monástica a partir do concílio de Coyanza (1055), segundo modelo consignado nas obras de Frutuoso de Braga e de Isidoro de Sevilha. Também era designado por Convento de São João de Alpendurada. Por volta de 1080, adotou os costumes clunyacenses e a Regra de São Bento. Até ao princípio do século XV, foi governado por abades perpétuos, depois por abades comendatários até 1569, data em que dele tomou posse a Congregação de São Bento. Como nesta data o comendatário ainda era vivo, foi governado por priores trienais eleitos até à data da sua morte, em 1588. Em 1834, no âmbito da "Reforma geral eclesiástica" empreendida pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando às de religiosas, sujeitas aos respetivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo. Os bens foram incorporados nos Próprios da Fazenda Nacional.
  • Hoje temos um património arquitetónico quer no mosteiro quer na igreja bem conservado. Fundado no início do século XI e igreja atual ainda conserva fragmentos românicos na sua fachada. Nos séculos XVII e XVIII fizeram-se obras no mosteiro; e século XVIII, na igreja. Barroco clássico na fachada da igreja que encaixa as edículas do padroeiro, S. João Batista, Ladeado por S. Bento e St.ª Escolástica. A talha é dos estilos joanino (coro alto), rococó (sanefas dos colaterais) e transição rococó-neoclássico (retábulos mor a quatro laterais de Frei José Vilaça, beneditino de Tibães, Braga). Portal norte do convento: estruturas e ornamentações barrocas, rococó e neoclássicas. A igreja primitiva, bem como a de Vila Boa do Bispo, prendem-se à fé e à peregrinação a Santiago de Compostela.
  • Em tudo o que passa a história, surge lendas e factos reais a mistura. Conta-se que na origem da fundação deste mosteiro existe uma história de amor e ódio. Antes da nacionalidade, reinava então D. Fernando Magno, rei de Castela e Leão e vivia nestes lugares D. Moninho Viegas, tio-avô de Egas Moniz e rico homem destas terras, que amava uma nobre e formosa donzela e quando estava prestes a casar com ela, esta foi pedida em casamento a seu pai por um poderoso cavaleiro Mouro, o qual perante a recusa do pai o matou, apunhalando-o diante da filha, que arrancando o punhal do peito do pai se matou junto com ele.
  • Quando D. Moninho Viegas soube tão triste nova, jurou cruel vingança contra o mouro e a sua raça e foi com sua hoste, fazer guerra crua aos infiéis! Depois de derramar muito sangue deles ficou cativo, prometendo então, se saísse vivo, fundar um Convento junto da Ermida de arado. E conseguindo a liberdade cumpriu o voto. Não só ampliou o Convento como lhe deu o padroado de nove (9) igrejas e muitas rendas e uma imagem de S. João Baptista em prata e tudo mais que enriqueceu o Convento. No ano de 1123 D. Teresa, viúva do conde D. Henrique, deu couto aos frades de Alpendurada e em 1132 D. Afonso Henriques confirmou-o e ainda lhe deu o couto de Vila Meã e Escamarão. Isto e tudo mais conseguido pelo filho de Moninho Viegas, Serrazin Viegas, pelos serviços nas guerras, e no mais que legou à coroa pelo que recebeu mais privilégios, padroados e liberdades, que estes padroeiros e seus parentes gratuitamente doaram ao mosteiro.
  • Tem ainda este mosteiro, a honra dos Abades serem capelães de sua majestade, mercê com outros privilégios dado por reis e concedida pela primeira vez por El rei D. João I no ano de 1423. Esta mercê foi dada a Afonso Martins, Abade perpétuo deste Convento pela sua intervenção nas cortes de Coimbra, onde foi proclamado rei D. João I.
  • Uma vez mais, esta presente a família dos Ribadouro, que dominavam esta região e eram muito chegados ao rei.
  • Uma das preciosidades deste convento era a sua biblioteca, onde se guardavam, catalogavam e protegiam os documentos mais importantes do reino. É exemplo disso, o pergaminho aqui guardado em que pela primeira vez se escreve o português arcaico, nunca usado até então em nenhum documento e em que os filhos e os seus pais Cortimero e a sua mulher Asirilli fizeram o compromisso de doação da igreja e seus ornatos aos beneditinos.
  • O atroz Almançor – Califa de Córdova – numa das suas investidas por estes lugares destruiu a biblioteca e nunca mais foi reconstruída. Ficava em Souzelo, em frente ao Convento de Alpendurada. Foram os Beneditinos grandes arquitetos, construindo grandes casas com um equilíbrio jamais visto, tendo em conta os ventos dominantes, a rota do sol e o curso dos rios, conseguiram uma integração cósmica quase perfeita, homem com a natureza inundando-o de uma paz física e mental abrindo para uma espiritualidade que é propícia ao estudo e reflexão.
  • Se não foi aqui que nasceu Portugal foi aqui que também se fez Portugal, porque a cultura dos monges, que não só rezavam, ensinavam, curavam e faziam bom vinho, fruticultura, horticultura, mel, licores, etc. aglutinavam a sua volta homens e povos, na dependência da sua fé e saber, que os monges aproveitaram para os ensinar a serem patriotas, e a lutarem com fé e coragem por Portugal e pelo Rei D. Afonso e os mentalizaram para guerras e sofrimentos contra a moirama e deste modo ajudaram a consolidar e dilatar Portugal.
  • Os conselheiros influentes do rei D. Afonso eram Monges e grandes senhores deste Padroado, que para definir Portugal, certamente o aconselhavam na luta contra sua mãe, estudaram e aconselharam as prioridades das guerras a fazer para dilatarem o reino com menos custos e mais glória. Alpendurada é pois uma peça importantíssima da nossa identidade.
  • O hotel Convento de Alpendurada, reconstruído com as mesmas pedras seculares e com uma azulejaria dos séculos XVII e XVIII, com salões seculares e longos corredores onde se misturam beleza, austeridade e grandeza, e onde se sente o sussurro do passado, na espiritualidade que toca todo o Homem, aqui envolvendo-o no fascínio duma poesia diferente, mas possessiva.
  • Os quartos, antigas celas, conservam os mesmos bancos de pedra junto da janela que olham a paisagem, onde os frades se sentavam a ler, rezar, estudar e refletir.
  • Estou certo se fecharmos os olhos no grande silêncio das paredes conventuais, ouvimos as suas litanias e um diálogo de amor e prece com Deus. No Convento o mistério e a mística continuam a marcar presença, despertando o homem para a beleza e perfeição.
  • Entramos no jardim, hoje hotel convento da alpendorada. Aqui descansamos e tiramos fotos, incluindo a de grupo. Foi fantástico. Aproveitamos também para ver uma joia do Românico, a igreja, mas foi impossível porque o coro estava a ensaiar. Ficamo-nos pelo exterior. É acolhedor este espaço.
  • Deixamos para trás o suor que caiu na poeira e partimos desta vez para Penafiel. O “Ramirinho” era a próxima paragem, mas, a maioria optou por ficar a ver a arquitetura estranha das igrejas de Penafiel. Fiquei curioso ver umas abóbadas com semelhanças ortodoxas. Não consegui desvendar o mistério. Mas, foi boa esta paragem, antes de nos fazermos a estrada, e aos nossos lares. Tudo correu bem, e espero a próxima.
  • Agostinho Santos (Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.)
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